Onde está o dinheiro? É esta a pergunta perene que leva os gestores de tesouraria a passar muitas noites em claro. Os gestores de tesouraria necessitam desta informação para efectuar bem as suas tarefas, ou seja, garantir que a quantidade certa de dinheiro chega ao lugar certo, no momento certo, e da forma mais rentável.
Desde 2017, a CABRI tem vindo a apoiar equipas nacionais a abordar problemas complexos de finanças públicas através do seu Programa de Reforço das Capacidades de Finanças Públicas. Das mais de 30 equipas que participaram no programa até à data, a maioria identificou desafios directa ou indirectamente relacionados com fluxos pouco fiáveis ou eficientes de recursos, que frequentemente se manifestam em escassez de liquidez. Para evitar a escassez de liquidez imprevista, os países emitem papel de curto prazo – principalmente bilhetes do tesouro (T-bills), mais onerosos. As disrupções de fluxos de tesouraria podem ainda afectar directamente a execução de projectos públicos, levando à acumulação de atrasados e custos adicionais de juros. Isto é relevante tendo em conta que os pagamentos de juros como percentagem das receitas quase que triplicaram na África Subsariana na última década - tendo atingido mais de 20% das receitas em países como o Malawi - colocando mais pressão sobre os espaços fiscais já reduzidos.
Os países enfrentam dois entraves fundamentais que afectam eficácia da função de gestão de tesouraria:
- A capacidade de prever com precisão as receitas e as despesas. Nas Seicheles, por exemplo, as variações entre as previsões de caixa e os resultados efectivos levaram à emissão de bilhetes do tesouro, cujo volume em 2019 excedeu as previsões iniciais de endividamento em quase 30%. Os gestores de tesouraria contam com a colaboração dos vários actores integrados nos sistemas interligados para poderem realizar bem as suas funções: desde as administrações tributárias que devem fornecer projecções de receitas fiáveis, até às unidades de despesas que devem comunicar com precisão o nível e o calendário das receitas e dos compromissos de despesa, bem como os bancos centrais e comerciais que lhes fornecem informações sobre os saldos das contas. Este pode parecer um exercício esgotante, sobretudo para as unidades de despesa que se preocupam menos em optimizar a despesas do que em receber as suas devidas dotações.
- A flexibilidade para gerir e desembolsar dinheiro. Cada país adopta os seus próprios mecanismos de tesouraria e mecanismos bancários para a gestão e consolidação de tesouraria, bem como o grau de supervisão pelo Ministério das Finanças (MdF) sobre a gestão dos saldos de tesouraria. No Malawi, a maioria das unidades de despesa detém contas bancárias distintas em vários bancos comerciais, cuja consolidação é apenas parcial e limitada. A multiplicidade de contas bancárias e a fraca consolidação podem resultar em várias ineficiências na execução das funções públicas, entre elas a dificuldade na determinação da situação de tesouraria do erário público: restringe a capacidade do governo no sentido de definir as prioridades dos desembolsos e apresenta um custo de oportunidade para os saldos ociosos que não são devidamente remunerados. No Burkina Faso, por exemplo, estima-se que mais de 200 milhões de USD de fundos públicos permanecem inactivos em vários bancos comerciais, enquanto o tesouro recorre à emissão de bilhetes do tesouro para cumprir as suas obrigações. O principal desafio para os gestores de caixa é que as responsabilidades de reconciliação nos bancos são muitas vezes dispersas e negligenciadas, com uma concentração excessiva nos sistemas bancários em detrimento dos sistemas contabilísticos necessários para informação sobre o desempenho orçamental.
Desde 2010, muitos países do continente iniciaram reformas extensivas para modernizar os sistemas de gestão de tesouraria, a fim de melhorar a fiabilidade das previsões de fluxo de tesouraria e a supervisão dos recursos de tesouraria. Para o efeito, um elemento fulcral foi a criação de uma Conta Única do Tesouro que visa garantir que o ministério das finanças receba informações exaustivas e em tempo real sobre os recursos de tesouraria do governo, facilita os mecanismos de cobrança e de pagamento, e assegura um melhor controlo operacional durante a execução orçamental.
Todavia, estas reformas caracterizam-se por vários níveis de complexidade: o aperfeiçoamento dos quadros de tesouraria e a aplicação de diferentes mecanismos bancários permitem resolver apenas uma parte do problema. No Burkina Faso, embora exista um quadro de tesouraria explícito, mais de 20% das 935 contas bancárias das entidades públicas foram abertas sem a devida autorização. Contudo, isto é provavelmente o resultado de uma necessidade legítima e não de um problema de conformidade nem de competências. As unidades de despesa têm as suas razões por defender a sua autonomia a todo o custo, para manter contas bancárias separadas e para não divulgar os saldos de tesouraria, porque sabem em primeira mão que o tesouro nem sempre lhes desembolsa as verbas de que necessitam em tempo oportuno. Em razão disto, as unidades de despesa são também incentivadas a antecipar as suas necessidades de tesouraria no início do exercício, em vez de divulgarem as suas reais necessidades de tesouraria ao longo do ano. É fácil isto tornar-se um ciclo vicioso, em que, em prol da sua própria eficiência, as unidades de despesa descentralizam e fragmentam as funções de tesouraria, que, por sua vez se tornam menos eficientes e menos capazes de responder às suas necessidades. A consolidação do tesouro pode ser ainda dificultada pelos incentivos dos bancos comerciais, que se opõem diametralmente a essas reformas.
A resolução deste problema exige uma acção colectiva, pelo que os países terão de assegurar a colaboração entre as diversas partes interessadas para poderem comunicar as reais implicações de custos das práticas ineficazes de gestão de tesouraria, ao procurar conhecer os interesses e os factores dissuasores das várias partes. Isto certamente não acontecerá de um dia para o outro e exigirá uma abordagem faseada – onde o tesouro lentamente estabelece a sua credibilidade como o guardião mais apropriado do erário público, ao mesmo tempo que propõe soluções aceitáveis para as agências governamentais em geral.