À semelhança do que se passou durante as crises sanitárias anteriores, as organizações multilaterais e os bancos de desenvolvimento contribuíram de forma significativa para o financiamento das acções de resposta a crises nos países em desenvolvimento. No entanto, além do financiamento canalizado pelo COVAX, apenas o Banco Mundial disponibilizou fundos dirigidos especificamente à vacina. Embora possa existir a possibilidade de reafectar as subvenções e empréstimos existentes para o financiamento de vacinas, ainda não existem provas claras de que os países estejam a reafectar os empréstimos relacionados com a Covid-19 ou pré-existentes para a aquisição de vacinas.
Num blogue anterior, frisámos a importância da mobilização de recursos nacionais para a vacina contra a Covid-19; contudo, o carácter mundial da pandemia implica que seria pragmático, face ao espaço fiscal restrito nos países em desenvolvimento, que os países desenvolvidos aumentassem significativamente o seu apoio aos programas de vacinação nos países em desenvolvimento e que ponderassem formas criativas de o fazer. São necessárias novas estruturas e processos, susceptíveis de serem accionados com celeridade. Além de mobilizar as formas tradicionais de ajuda ao desenvolvimento, o que pode a comunidade internacional para o desenvolvimento fazer?
Acelerar o desembolso de fundos
Embora os fundos de emergência dirigidos à pandemia tenham sido desembolsados com muito mais celeridade do que o financiamento tradicional para o desenvolvimento, seria necessário acelerar o desembolso uma vez que muitos dos principais parceiros ainda não se comprometeram a financiar a aquisição directa de vacinas pelos países. Um desses instrumentos é o Compromisso de Garantia para a Saúde, da ONU, que oferece uma garantia para os empréstimos contraídos para o financiamento pelos parceiros de desenvolvimento sempre que um compromisso seja assumido, fornecendo uma carta de crédito apoiada pela garantia do empréstimo. Esta garantia permitiria aos ministérios da saúde ou aos ministérios das finanças adquirirem vacinas com efeito imediato, sem terem de aguardar até que os compromissos sejam processados.
Doações bilaterais
As doações bilaterais de vacinas permitiram que vários países em desenvolvimento dessem início aos seus programas de vacinação. As Seicheles conseguiu encetar a sua campanha de vacinação no final de Janeiro, graças a doações dos Emirados Árabes Unidos e da Índia; os Emirados Árabes Unidos doaram 50.000 doses da vacina Sinopharm e a Índia doou 100.000 doses da vacina AstraZeneca contra a Covid-19. O Sudão do Sul também recebeu vacinas dos Emirados Árabes Unidos. O Senegal, que também sofre dificuldades em financiar a sua própria vacina, doou 10.000 doses à vizinha Gâmbia e a Guiné-Bissau. Embora estas doações, em particular, aquelas originárias do Oriente e do Médio Oriente possam ser criticadas como “diplomacia da vacina”, a expectativa é que o mundo ocidental siga o exemplo.
Títulos de vacina contra a Covid-19
O Fundo de Financiamento Internacional para a Imunização (IFFIm) emitiu títulos de vacina contra a CO Covid-19 em apoio à GAVI. O IFFIm, criado em 2006, recebe garantias de longo prazo dos países doadores e transforma-as em títulos. O site do IFFIm explica que “um doador soberano se compromete a disponibilizar 200 milhões de dólares em tranches de 10 milhões de dólares por ano ao longo de 20 anos. Sem o IFFIm, a Gavi limitar-se-ia a gastar apenas estes 10 milhões de dólares por ano e teria de esperar 20 anos para ver o seu impacto total. Mas, com estes compromissos, o IFFIm emite Títulos de Vacinação nos mercados de capitais internacionais. Os investidores no mercado de capitais compram essas obrigações a uma taxa de retorno atraente, assim colocando os fundos à disposição imediata do IFFIm.”
Até à data, o IFFIm não emitiu títulos soberanos. Face às dificuldades financeiras vividas pelos países em desenvolvimento, que necessitam de doses da vacina para além do que os mecanismos de compras agrupadas estão em condições de fornecer, talvez o IFFIm possa ser convencido a emitir títulos em nome deles ou que considere garantir títulos de vacina soberanos. Uma alternativa passaria por países com laços bilaterais estreitos ponderassem permitir que os países em vias de desenvolvimento contraíssem empréstimos contra um país numa situação financeira mais forte. Isto permitiria uma rápida mobilização de recursos a uma taxa razoável.
Micro-impostos ou taxas
Enquanto esta opção não tenha sido concretizada, o governo sul-africano anunciou que estava a ponderar aumentar os impostos para fazer face os custos do seu plano de vacinação contra a Covid-19. [1] Embora não se destinasse apenas ao financiamento de vacinas, em Julho de 2020, o governo egípcio anunciou planos para aplicar um “imposto corona” de 1 por cento durante ano a todos os salários do sector público e privado para ajudar a financiar as acções de contenção da propagação do coronavírus. Foi cobrado um imposto distinto de 0,5% sobre as pensões do Estado (Monitor da Reposta pelas FP à Covid-19 PF). O Quénia anunciou que está a ponderar aumentar os impostos sobre os super-ricos e pessoas com rendimentos mais elevados no orçamento de 2021/22, como parte de uma estratégia mais ampla de aumentar a queda de receitas registada como uma das consequências económicas da pandemia de Covid-19.
Embora a cobrança de impostos “corona” não seja nem viável nem aconselhável na maioria dos países africanos, é possível que os países desenvolvidos estejam em condições de considerar contribuir para a compra de vacinas nos países em desenvolvimento, ao cobrar um micro-imposto temporário para o financiamento global das vacinas. Há um precedente para isto na UNITAID, que ajuda a financiar a resposta dos países em desenvolvimento ao VIH/SIDA, à tuberculose e à malária, e recebe 60% do seu financiamento de taxas cobradas sobre bilhetes de avião. As companhias aéreas apoiaram esta acção em reconhecimento do impacto negativo que sofreriam com uma crise sanitária mundial. No entanto, as companhias aéreas, que sofreram danos quase irreparáveis no último ano, não representam a única área em que se poderia impor um micro-imposto ou taxa. A cobrança de um micro-imposto sobre os sectores que beneficiaram indirectamente com a crise, como os serviços de comunicação virtual ou as empresas farmacêuticas, pode ser uma opção mais atractiva e susceptível de receber mais apoio político do que uma dotação dos orçamentos nacionais dos países desenvolvidos.
Alívio da dívida
Conforme abordado num próximo artigo da CABRI intitulado “É preciso uma pandemia: alívio da dívida em resposta à Covid-19”, os líderes africanos, por intermédio da União Africana e de instituições financeiras internacionais como o FMI e o Banco Mundial, têm apelado a que fossem introduzidas medidas de alívio da dívida para responder à crise. Foi sugerido que o alívio da dívida fosse vinculado às despesas de saúde devido à Covid-19, com recurso a instrumentos inovadores como swaps dívida-saúde. Embora o se G20 tenha comprometido a aliviar a dívida, seria pragmático se os credores bilaterais, empenhados em alcançar a imunidade de grupo a nível mundial, considerassem oferecer swaps de dívida para as vacinas, talvez na condição que a vacina fosse comprada a um fabricante sediado no país credor.
Nos dias 13 e 14 de abril de 2021, reuniremos ministérios africanos da saúde e das finanças para analisar como mobilizar o apoio internacional e os recursos nacionais para a aquisição de vacinas. Os técnicos também terão uma plataforma para aprender com os seus pares e peritos de outros países como optimizar as suas estratégias de aquisição e distribuição de vacinas.
[1] No seu discurso do orçamento, o Ministro Mboweni afirmou que o governo sul-africano não iria aumentar os impostos para fazer face ao programa de vacinação.