Formular e executar um orçamento credível para um país de baixos rendimentos é suficientemente difícil sem ter de navegar o cenário traiçoeiro da gestão das finanças públicas em países pós-conflito com capacidades significativamente corroídas. A República Centro-Africana (RCA) emergiu recentemente de uma guerra civil que eclodiu em 2013. Com uma parte significativa do seu território ainda sob o controlo dos rebeldes, o governo central de Bangui continua frágil. A manutenção da paz e a consolidação do monopólio do Estado sobre a violência exigirá a mobilização de recursos públicos suficientes e a gestão eficaz do orçamento para levar a cabo a árdua tarefa de reconstrução. Mas os esforços de mobilização de receitas são limitados pela fragilidade da paz e pelo facto de o Estado ainda não controlar todo o território. Esta situação é susceptível de continuar a determinar os baixos níveis de segurança na RCA e de baixos níveis de prestação de serviços, a menos que consiga melhorar as suas capacidades de mobilização de receitas e de gestão do orçamento a um ritmo razoável.
A Iniciativa Colaborativa para a Reforma Orçamental em África (CABRI) realizou uma avaliação das capacidades de gestão das finanças públicas da RCA. A revisão consiste em entrevistas aprofundadas com 13 informadores-chave que ocupam cargos de suficiente relevo para reflectir sobre uma função específica de GFP. As entrevistas qualitativas são acompanhadas por um inquérito quantitativo a 225 funcionários afectos aos serviços de finanças públicas em dois ministérios (Ministério das Finanças e do Orçamento e Ministério do Planeamento e da Economia).
O estudo revela que a RCA se depara com dificuldades em melhorar a credibilidade orçamental, principalmente pela ausência das capacidades institucionais fundamentais em matéria da previsão de receitas durante a fase de formulação do orçamento. A fraca vontade política (ou a ausência de capacidade reguladora) para responsabilizar o executivo é mais importante para os problemas de credibilidade orçamental durante a fase de execução. A nível técnico, as capacidades estatísticas e analíticas que devem servir de base para uma previsão fiável das receitas foram enfraquecidas devido ao conflito. De acordo com os dados do Banco Mundial, a pontuação da capacidade estatística da RCA caiu de 58,4 em 2014 para 35,6 em 2018, 43% abaixo da média da África Subsaariana. O nosso inquérito junto dos funcionários das finanças públicas e do planeamento também revela que a motivação do pessoal é mais baixa nas áreas do planeamento e da estatística (em comparação com as áreas de execução e controlo orçamental, e as funções de receitas e de tesouraria). A nível político, parece haver um interesse em ter previsões de receitas demasiado optimistas, a fim de criar espaço para despesas discricionárias.
O problema perene dos atrasados na RCA é sintomático de fraquezas profundas nas capacidades de coordenação das instituições de finanças públicas. A sincronização de várias funções, como a previsão de receitas, o planeamento das despesas, a gestão de tesouraria e o controlo interno são fundamentais para a acumulação de atrasados. A abordagem de silos, adoptada em relação à reforma, que predomina mais em áreas como o planeamento e as estatísticas, poderá ter contribuído para a ausência geral de-capacidades de coordenação. No entanto, o problema não se limita à coordenação, uma vez que é também uma manifestação do problema mandante-mandatário entre a legislatura (o mandante) que deve acompanhar o desempenho do executivo (o mandatário), responsável pela execução do orçamento aprovado. A falta de conhecimentos técnicos por parte dos legisladores prejudica as capacidades regulamentares do Estado na área da GFP. Isto, conjugado às capacidades frágeis de auditoria e inspecção da RCA, pode ter consequências de longo alcance em várias áreas, desde a transparência orçamental até à sustentabilidade da dívida.
A gestão de uma transição após um conflito nacional prolongado exige uma utilização eficiente e criteriosa dos parcos recursos públicos. Isto, por sua vez, requer um trabalho meticuloso de reforço das capacidades dos funcionários em toda a cadeia de GFP, desde o planeamento até ao controlo externo. Na RCA, o baixo nível de motivação e o nível significativamente elevado de desfasamento das competências, conforme sentido pelos inquiridos consideram, dificultarão a implementação eficaz das reformas de GFP e a sustentação dos ganhos iniciais. É particularmente preocupante o facto de não existirem oportunidades de mentoria para o pessoal recém-recrutado nas principais instituições de finanças públicas. Isto deve-se, provavelmente, ao aumento da (potencial) rotatividade à medida que a experiência vai aumentando, restando poucos potenciais mentores para os novos funcionários. De momento, a RCA depende fortemente da assistência técnica e dos consultores externos para colmatar a lacuna de competências no domínio das finanças públicas. É provável que esta situação continue a registar-se até ser desenvolvido um nível desejável de capacidades entre os funcionários. Mesmo assim, dever ser envidado um esforço consciente no sentido de aproveitar a assistência técnica para estimular o reforço das capacidades internas dos funcionários e evitar o círculo vicioso de perpétua a dependência dos consultores externos.