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GFP blog

A gestão das finanças públicas como elemento dinamizador da autonomia das unidades de saúde: destaques do diálogo sobre políticas

17 outubro 2024
Policy Dialogue on Health Mauritius

Em Agosto de 2024, a CABRI reuniu ministérios das finanças, ministérios da saúde e representantes do governo local de 13 países africanos, para analisar como cada interveniente pode contribuir para melhorar os resultados de saúde nos seus países ao fortalecer a autonomia financeira e a flexibilidade das unidades de cuidados de saúde primários (CSP). Este blog contém uma síntese das principais ideias partilhadas neste evento.

Fomos recordados novamente da importância de reunir os ministérios das finanças e da saúde (desta vez juntamente com representantes do governo local). Em consonância com as nossas expectativas, poucos técnicos financeiros, mesmo aqueles que trabalham directamente com o sector da saúde, chegaram ao diálogo de políticas com conhecimento do porquê ou de como a autonomia financeira das unidades de saúde pode contribuir para a eficiência das despesas na saúde. De igual modo, os representantes da saúde careciam de uma compreensão abrangente de como os mecanismos de GFP podem promover ou dificultar a autonomia financeira.

Liberia

Através de um diálogo moderado e a produção de cartazes por país, conforme aqui retratado, ajudámos os técnicos não só a aprender da experiência de outros países, mas também aprofundar o conhecimento do contexto do seu próprio país e da situação quanto ao financiamento das unidades de saúde. Conforme referido pela professora Kara Hanson, da London School of Hygiene and Tropical Medicine, este evento proporcionou “às equipas dos países uma oportunidade extraordinária de aprofundar os conhecimentos e a confiança que lhes irá permitir colaborar para a definição de soluções no futuro”.

As vantagens da aprendizagem paritária também se tornaram evidentes pois proporciona espaço para ouvir os países que aplicam soluções pragmáticas e localizadas ou agem à margem da comunidade internacional de financiamento da saúde. A Professora Sophie Witter da Queen Margaret University e a Pura Angela Wee-co da Thinkwell destacaram a diversidade de abordagens destinadas a aumentar a autonomia das unidades de saúde e o potencial para aprender com as experiências de outros países. Ouvimos o Dr. Richard Kagambane, do Ministério da Saúde do Uganda referir às origens e à progressão do seu programa de financiamento directo das unidades de saúde, desenvolvido internamente há décadas. Embora certos aspectos da reforma possam não estar alinhados com as melhores práticas, os ministérios das finanças e da saúde trabalharam em estreita colaboração com os governos locais e as autoridades responsáveis pelas unidades de saúde pública para desenvolver soluções adaptadas ao objectivo visado de fazer chegar os fundos ao terreno. Por exemplo, em vez de incluir todas as unidades de CSP no plano de contas, uma tarefa deveras complicada, as unidades são agrupadas sob as autoridades locais e prestam contas manualmente. A Dr.ª Hélène Barroy da OMS também referiu à importância de uma abordagem pragmática e às medidas provisórias que podem ser introduzidas enquanto o sistema de GFP se ajusta a uma maior autonomia das unidades. Esta foi a abordagem adoptada em Burkina Faso, partilhada pela Dr.ª  Barroy e por Ali Bamouni do Ministério da Saúde, onde, em vez de esperarem que as unidades tivessem contas bancárias, foram-lhes entregues vales monetários e, posteriormente, cheques.

Ficámos a saber que, em princípio, os ministérios das finanças estão abertos a aumentar a autonomia das unidades, mas precisam de ser convencidos. Querem que esta reforma resulte numa melhor relação qualidade/preço. Embora haja provas de uma melhor relação qualidade/preço nos níveis de cuidados superiores, são necessárias mais provas a esse respeito ao nível dos CSP. Outros argumentos a favor de uma maior autonomia consistiram numa eventual redução de custos se mais doentes procurassem tratamento a nível dos CSP. O Dr. Prithviraj Ramputty, do Ministério da Saúde e Bem-Estar das Maurícias, lamentou as implicações em termos de custos de contornar as vias de encaminhamento no seu país. A Dra. Agnes Munyua-Gatome da R4D adiantou que unidades de CSP mais autónomas, que contribuíssem para um atendimento susceptível de assegurar uma melhor resposta, uma melhor gestão e menos escassez de produtos médicos e medicamentos, seria um factor determinante para convencer os cidadãos a procurar atendimento nas unidades de cuidados primários, assim reduzindo os custos.

Os funcionários dos ministérios das finanças também pareceram tranquilizados quando foram recordados que as quantias em questão eram reduzidas, pelo menos nas fases iniciais do aumento da autonomia. As unidades dos CSP não exigem muito financiamento. Nas unidades mais pequenas, apenas 500 dólares americanos por mês podem ser suficientes para cobrir as despesas operacionais básicas. As quantias referidas por Moritz Piatti-Fünfkirchen, do Banco Mundial, nunca representarão um grande risco fiduciário nem constituirão uma ameaça à disciplina orçamental de um país, pelo que as despesas poderão não ter de fazer objecto de controlos rigorosos. Moritz também referiu aos riscos de confundir a responsabilização com o controlo. Embora uma maior responsabilização seja desejável, esta nem sempre é assegurada por mais controlos – controlos improdutivos podem, por vezes, levar as pessoas a saírem do sistema, prejudicando a responsabilização.

Outro aspecto fundamental para convencer os ministérios das finanças a respeito desta reforma consiste em demonstrar que os gestores das unidades podem gerir e prestar contas em relação aos recursos financeiros que recebem. Considerando que os gestores das unidades são médicos clínicos, normalmente sem experiência de gestão financeira, é fundamental que recebam formação e apoio adequados. As unidades pequenas, frequentemente geridas por um enfermeiro, podem receber assistência de funcionários das autoridades locais ou de contabilistas de unidades maiores. No Uganda, por exemplo, os dispensários são apoiados pelo contabilista do condado. Nos casos em que os gestores das unidades devem assumir todas as responsabilidades de contabilidade, é importante que os regulamentos de GFP a serem cumpridos sejam simples, bem definidos e claramente comunicados. Vários oradores salientaram a importância de não sobrecarregar os gestores e assim afastá-los da sua obrigação principal de prestar cuidados de saúde. Esta era uma preocupação na Tanzânia quando o Sistema de Contabilidade e Relatórios Financeiros das Unidades foi introduzido. Primou-se por um sistema e tecnologia de prestação de contas suficientemente simples para poderem ser utilizados pelo pessoal das unidades de saúde, a saber os enfermeiros. Mesmo assim, em alguns casos foi necessário contratar contabilistas para apoiar grupos de unidades de saúde.

As responsabilidades financeiras dos gestores das unidades podem ser alargadas gradualmente pela sequenciação prudente das categorias de custos sob o seu controlo. Sheila o'Dougherty, especialista independente em matéria do financiamento da saúde, sublinhou a importância de não “disponibilizar todas as verbas às unidades logo à partida”. Permitir que, inicialmente, as unidades controlem quantias menores pode fomentar o desenvolvimento da capacidade de gestão financeira e fornecer garantias de que estão à altura de administrar quantias associadas a um maior risco fiduciário. A Sheila sugeriu que, embora quase sempre queiramos aumentar a autonomia das unidades em relação às despesas operacionais e à compra de certos medicamentos, é mais arriscado delegar a responsabilidade por grandes investimentos de capital e remuneração (pelo menos nas fases iniciais do aumento da autonomia). A melhor forma de realizar investimentos de capital é por intermédio do sistema, a fim de evitar despesas excessivas e a escalada dos custos (por exemplo, testes de diagnóstico desnecessários para recuperar o custo de equipamento médico altamente especializado). Ademais, embora a responsabilidade pela contratação e desvinculação de pessoal seja um elemento-chave da autonomia, delegá-la prematuramente às unidades suscita o risco de pôr em causa o financiamento público dos profissionais de saúde e a distribuição equitativa dos mesmos. No entanto, o mesmo não se aplica aos trabalhadores sob contrato nem aos subsídios ao pessoal. Conforme explicado pela Sheila, os subsídios de pessoal são excelentes custos para as unidades financiarem, dado o potencial que os mesmos apresentam para motivar o pessoal e melhorar a prestação de serviços.

O financiamento das unidades de saúde deve ser orientado pela compreensão dos problemas que visa resolver. O importante não é que esta reforma seja introduzida, mas sim que venha a contribuir para atenuar os pontos de estrangulamento na prestação de serviços de saúde. Embora os benefícios de colocar as verbas directamente nas mãos das unidades se tenham tornado evidentes durante todo o evento, também foi útil lembrar que essa pode não ser uma prioridade em todos os contextos. A Dr.ª Agnes Munyua-Gatome sugeriu que, em alguns casos, pode ser mais pragmático que seja um gabinete distrital de saúde a continuar a administrar os recursos financeiros das unidades, sobretudo em situações em que os recursos devem ser distribuídos pelas unidades de forma equitativa e fiável, se a unidade responsável possuir pouca ou nenhuma capacidade de gestão financeira e o distrito for pequeno o suficiente para tutelar apenas algumas unidades. Nas Maurícias, o sentimento é que a situação vigente em que as unidades não recebem recursos financeiros directamente, funciona adequadamente. Reconheceu-se, no entanto que, para tirar partido dos potenciais ganhos de eficiência associados à remuneração baseada nos resultados exigiria uma maior autonomia financeira das unidades.  

Fishbone Malawi

A abordagem de adaptação iterativa orientada ao pelo problema (PDIA) adequa-se bem à identificação dos problemas e para determinar se os princípios de autonomia das unidades podem (ou não) resolvê-los. Isto foi ilustrado pelos antigos formandos do programa da CABRI sobre o Reforço de Capacidades de Finanças Públicas para Melhorar os Serviços Sociais para as Crianças, Moses Zuze e Yohane Nyanja do Malawi. No decorrer deste programa, a equipa deles procurou aumentar a autonomia financeira das unidades de saúde para combater a dotação desigual e ineficiente dos recursos para os CSP (demonstrado de forma desagregada na matriz de causa e efeito anexa). Outros princípios do PDIA, como a abordagem incremental a soluções, a priorização da gestão da mudança e a mobilização de um amplo conjunto de intervenientes, também são fundamentais para aumentar com sucesso a autonomia das unidades de CSP.

Alguns métodos de remuneração baseada nos resultados, apesar do seu potencial significativo em incentivar a prestação de cuidados de saúde mais eficazes em termos de custos, podem exigir um horizonte de implementação mais prolongado. Inke Mathauer da OMS apresentou uma panorâmica abrangente dos diferentes mecanismos de remuneração dos prestadores de serviços de saúde e os prós e contras de cada um. Sublinhou que a autonomia das unidades de saúde é um pré-requisito para potenciar os benefícios dos mecanismos de remuneração baseada nos resultados – as unidades devem poder responder aos incentivos, e definir e adquirir a melhor combinação de aportes. Foi igualmente reforçado que a remuneração baseada nos resultados é mais viável se o orçamento estiver estruturado e as despesas controladas com base nos resultados, em consonância com uma estrutura orçamental programática. No entanto, muito poucos países na sala controlavam as despesas com base nos resultados ou nos programas. Esta situação conduziu a dificuldades no Egipto, conforme referido pelo Dr. Ahmed Seyam, da Agência Nacional de Seguro de Saúde do Egipto. A Agência adquire serviços curativos da Autoridade de Saúde do Egipto com base nos resultados. Todavia, a Autoridade de Saúde do Egipto, o principal prestador de serviços médicos do país, continua a utilizar o pagamento dos insumos para suas unidades com base em rubricas, assim anulando quaisquer potenciais incentivos. Ali Bamouni, do Burkina Faso, também relatou que o contenção das despesas no país durante o ano cria dificuldades para as unidades, que são pagas retroativamente pelos serviços que prestam.

Frequentemente a inclusão das unidades nos processos de formulação do orçamento e a forma como os recursos são atribuídos não são devidamente tidos em consideração, mas são aspectos de grande interesse para todos os participantes. Tom Hart, da ODI, reflectiu sobre a importância de utilizar fórmulas para a afectação de recursos às unidades de saúde com base em provas factuais e de comunicar os limites máximos no início do processo orçamental para assegurar que haja tempo suficiente para comentários e integração. Foi também abordada a necessidade de os ministérios das finanças e da saúde prestarem orientação sobre os processos orçamentais e o que pode ser incluído nos orçamentos das unidades. Aprendemos que os ministérios da saúde no Quênia e na Tanzânia incluem valores indicativos para os diversos itens de custo nas directrizes que enviam às unidades. Simon Kaye, do Departamento de Saúde do Cabo Ocidental, na África do Sul, informou que os orçamentos distritais são determinados com base numa fórmula que abrange componentes baseados nas necessidades e na utilização, e que as dotações são depois distribuídas pelas unidades em função da utilização.

FFARS

Há um longo caminho a percorrer para compreender como as ferramentas digitais podem contribuir para o financiamento das unidades de saúde. Muitas unidades, particularmente as dos países anglófonos presentes no evento, continuam a utilizar formulários em papel para preparar os seus relatórios financeiros, sem qualquer consolidação. Nos países francófonos, é mais comum as unidades terem acesso ao sistema integrado de informação de gestão financeira (SIGF) concebido a nível central, conforme demonstrado por Herve Mognany Goulohi, da Côte d’Ivoire. Porém, conforme indicado por Moritz Piatti-Fünfkirchen, isto apresenta desafios para as unidades, como infraestruturas insuficientes e uma fraca ligação à Internet, além de que o sistema nem sempre se adequa às necessidades ou às capacidades dos gestores das unidades. Posto isto, muitos demonstraram interesse em aprofundar, com Gemini Mtei da ONUSIDA, o conhecimento do sistema de contabilidade e controlo de unidades de saúde (Facility Financial Accounting and Reporting System (FFARS)) da Tanzânia. O FFARS, aqui retratado, consiste numa aplicação móvel e web que permite registar os desembolsos e as despesas, e gerar relatórios nas unidades de saúde, interoperável com os sistemas de informação de gestão financeira do governo central e local, MUSE e PlanRep.

Isto representa apenas o início do esforço renovado da CABRI no sentido de fortalecer a gestão financeira das unidades de saúde e melhorar a eficiência das despesas de saúde em África. No início de 2025, está previsto um evento virtual de acompanhamento com os participantes no diálogo sobre políticas. O tema preciso do evento fica por confirmar, mas de acordo com os interesses expressos pelos participantes, é expectável que que seja um dos seguintes: ferramentas digitais para ajudar a gestão financeira das unidades; um aprofundamento das diferenças nos controlos das despesas entre países anglófonos e francófonos e no protagonismo dos comités de gestão de unidades de saúde; lições do sector da educação sobre o financiamento e autonomia de escolas; ou a integração das unidades nos processos de formulação de orçamentos e melhoria das decisões relativas às dotações orçamentais.

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