A consolidação de tesouraria permite reunir toda a liquidez no Tesouro, assim assegurando a optimização da mesma mediante o aumento das pressões orçamentais. Para alcançar este objectivo de gestão de tesouraria, vários países encetaram a reforma da conta única do tesouro (CUT). Em teoria, esta reforma, ainda recente na maioria dos países da zona da UEMOA e da CEMAC, permite aos governos que a implementam gerirem melhor os seus compromissos, ao conhecer melhor a sua liquidez e dispor de recursos públicos susceptíveis de serem mobilizados com maior facilidade. No entanto, embora tenha sido implementada, a reforma não alcançou os objectivos pretendidos por razões de ordem política e técnica. Este é um desafio com que a República Centro-Africana se confronta.
Enquanto país de baixo rendimento e politicamente instável, a República Centro-Africana enfrenta pressões significativas de fluxos de tesouraria relacionadas com o baixo nível de mobilização de recursos internos para fazer face às despesas. Neste domínio, as receitas internas da RCA são umas das mais baixas da África Subsaariana (8,2% do PIB[i]), reflexo da profunda fragilidade estrutural do sistema fiscal. A título de exemplo, nos últimos 5 anos, os objectivos orçamentais, nomeadamente no que se refere às receitas fiscais, não foram alcançados.[ii] Este fraco desempenho deve-se, em parte, ao incumprimento de um número significativo de critérios de desempenho quantitativos, nomeadamente a baixa mobilização das receitas fiscais e a consolidação na CUT das receitas anteriormente arrecadas pelas entidades públicas.[iii]
O fraco desempenho das entidades públicas continua a gerar grandes preocupações para o Ministério das Finanças e do Orçamento (MFO). Com o intuito de assegurar uma gestão de tesouraria mais eficiente, o MFO encetou uma reforma nos termos do artigo 10.º da lei de finanças inicial de 2019. A reforma, que confere a tutela financeira das entidades públicas ao MFO, deverá também permitir que o Tesouro Público consolide na CUT toda a liquidez detida pelas entidades públicas (artigo 26.º). Embora tenha sido possível, no início da reforma, realizar acções como o encerramento de determinadas contas abertas por entidades públicas junto de bancos comerciais, é de notar que, até à data, o Tesouro não conseguiu captar todas as receitas arrecadadas pelas entidades públicas. Por exemplo, a execução das receitas das entidades públicas diminuiu de 78% em 2016 para 45% em 2019. No final de Janeiro de 2020, a previsão orçamental mensal das entidades públicas era de 814 milhões, face a um total de 337 milhões, ou seja, uma taxa de execução de 41%, enquanto, no mesmo período em 2019, antes da operacionalização desta reforma, as estruturas visadas mobilizaram em seu nome 907 milhões, ou seja, três vezes o montante arrecadado em Janeiro de 2020. No final de março de 2020, após a reforma de tutela financeira, a taxa de execução das receitas das entidades públicas era de apenas 20%. Em termos dos impactos, regista-se o risco de um agravamento das pressões sobre os fluxos de tesouraria e da redução dos desembolsos para os ministérios, departamentos, CAS e fundos, o que levará ao enfraquecimento do funcionamento das estruturas.
Com vista a analisar mais a fundo este problema das finanças públicas e encontrar soluções duradouras, uma equipa de técnicos do MFO encetou um percurso de 12 meses para aplicar uma abordagem de adaptação iterativa para resolver o seu problema. O primeiro passo no compromisso da equipa consistiu em definir o problema e identificar as suas eventuais causas.
A diversidade da equipa contribuiu para que fosse adoptada uma abordagem abrangente em relação ao problema, face à presença na equipa de técnicos de contas e de funcionários das entidades públicas objecto da reforma. Este processo consistiu também na recolha de dados e de elementos comprovativos que permitiram à equipa identificar os pontos de entrada para encetar o seu trabalho.
A equipa percebeu a premência de desenvolver uma organização de trabalho rigorosa para prosseguir com as suas actividades. Por conseguinte, a equipa identificou regras de trabalho que consistiram em identificar a frequência e o local de encontro, repartir as tarefas e as responsabilidades, e identificar um sistema de monitorização contínua com o orientador da CABRI. Num contexto de pandemia e distanciamento social, a realização de reuniões de acompanhamento ao recorrer a modalidades de comunicação virtual com uma agenda precisa tem sido de extrema importância.
Um dos principais factores de sucesso no processo de resolução do problema foi a obtenção e a manutenção da “bênção” da hierarquia política e técnica, como também das partes interessadas afectadas ou susceptíveis de influenciar a solução ao problema. A equipa apercebeu-se desta necessidade logo à partida e encetou o diálogo através da realização de encontros e a apresentação de relatórios periódicos à entidade autorizadora sobre o progresso das actividades e os desafios previstos. A definição do problema revelou ser de cabal importância neste processo, pois permitiu à equipa chamar a atenção para a necessidade de transformação e de criar coligações de partes interessadas, incluindo os serviços de contas públicas do Tesouro (ACCT) e a Direção Central das Colectividades e das Entidades Públicas (DCCOP).
De igual modo, a adopção de um mecanismo de acompanhamento com ciclos curtos de retroinformação permitiu avançar com mais celeridade em relação às causas fundamentais do problema e assegurar o empenho contínuo das equipas. Através de consultas físicas e de inquéritos junto de entidades públicas, a equipa ficou a conhecer os sentimentos das partes interessadas em relação ao problema e obteve as recomendações das mesmas. Em particular, as consultas revelaram um desconhecimento dos textos de reforma, o que levou à fraca apropriação da mesma por parte dos intervenientes. Além disso, o atraso no desembolso das dotações foi identificado pelas entidades como uma das razões pelo nível baixo de receitas contabilizadas na CUT. Tendo em conta que o sucesso da reforma da GFP tem mais a ver com aspectos não técnicos e com a gestão da mudança, este exercício de envolvimento das partes interessadas revelou ser muito proveitoso pois promoveu uma maior aceitação do trabalho e incentivou as partes interessadas a comprometerem-se a apoiar esta reforma.
Embora a execução das reformas em matéria das finanças públicas seja um processo a longo prazo, a experiência do programa RCFP permitiu registar alguns progressos significativos. A equipa conseguiu influenciar a agenda nacional de implementação das reformas, ao insistir na necessidade de integrar e sensibilizar as partes interessadas a respeito das mudanças operacionais introduzidas pelos novos textos. Isto levou à promoção de um workshop de sensibilização e de capacitação dos técnicos de contas das entidades públicas. O workshop apresentou uma oportunidade para a equipa e peritos do MFO analisaram as mudanças mais importantes induzidas pela reforma e partilharem as experiências de certas entidades públicas que se destacam em termos de preparação orçamental e consolidação de recursos, nomeadamente o Fundo de Manutenção Rodoviária (FER).
Os diálogos e os workshops também sublinharam a necessidade de o Tesouro sistematizar o desembolso das dotações às entidades públicas. Numa próxima fase, a equipa centrar-se-á no diagnóstico do plano de desembolso das dotações, com vista a identificar os pontos de estrangulamento.
Apesar dos progressos realizados no âmbito deste programa, o objectivo de remeter “todos os encargos e impostos cobrados ou arrecadados pelas agências, fundos, contas de afectação específica e algumas entidades públicas à CUT” está longe de ser alcançado. Foi possível sensibilizar as autoridades competentes em relação à urgência do problema e encetar acções de capacitação dos técnicos de contas das entidades públicas integradas na cadeia de arrecadação de receitas. A experiência da equipa em relação à resolução desta questão também destacou os maiores desafios enfrentados no país no âmbito da gestão activa de tesouraria. Igualmente, ao contrário de experiências no passado, o programa tem sido uma fonte de aprendizagem prática e tem facilitado a identificação das soluções mais aplicáveis ao contexto.
Face às perspectivas da nova administração política e a prioridade atribuída à gestão de tesouraria na agenda das reformas das finanças públicas, estamos esperançados que este tipo de iniciativa inovadora se perpetue para criar uma dinâmica de resolução de problemas ao recorrer aos sistemas específicos dos países.
[i] Banco Mundial
[ii] Por exemplo, dos 571,3 mil milhões de FCFA que o país devia ter mobilizado desde 2015, foram atingidos 480,7 mil milhões de FCFA, uma taxa média de execução de 84,1%.
[iii]. O termo “Entidades Públicas” na RCA refere-se aos serviços da administração pública, abarcando os Fundos para Fins Especiais e Organismos Públicos