A transparência da dívida pública exige: (1) a manutenção de bons registos; (2) amplas funcionalidades de relato; e (3) a disponibilidade para partilhar informações relativas à dívida (UNCTAD, 2018). Casos anómalos, como o de Moçambique, onde empréstimos extraorçamentais foram contraídos para comprar navios de pesca e equipamentos militares, e o da vizinha Zâmbia, suspeita de ocultar uma dívida externa substancial, contribuíram para uma percepção geral de que os países africanos não estão dispostos a partilhar informação relacionada como a sua dívida e não reúnem a terceira condição de transparência da dívida.
A Cabri, ao recolher dados para o Monitor da Dívida em África (MDA), uma plataforma para o intercâmbio entre pares sobre a dívida da administração central em África, apercebeu-se de que esta percepção geral é falsa. Mais de 50% dos países solicitados a participar no MDA, completaram voluntariamente um extenso levantamento em três partes sobre a dívida em moeda nacional e estrangeira, os indicadores de risco, os passivos contingentes, e os mecanismos institucionais, políticas e práticas de gestão da dívida.
O que parece ser importante para os governos é que se possam se pronunciar em relação ao modo como os dados são recolhidos e usados, e que essa recolha resulte em perspectivas e ferramentas relevantes e úteis. O MDA foi desenvolvido pela CABRI em colaboração com os gabinetes de dívida africanos e contém as informações relacionadas com a dívida que, de acordo com eles, são as mais apropriadas para poderem tomar decisões ponderadas e promover a sustentabilidade da dívida. Nele, figuram várias ferramentas que promovem a aprendizagem paritária e o intercâmbio em matéria da gestão da dívida, a saber: (i) perfis da dívida de cada país individual; (ii) uma comparação entre países das práticas e procedimentos de gestão da dívida; (iii) quadros de dados relativos a cada país individual; e (iv) o explorador de dados sobre a dívida.
O MDA também serve de repositório de informações que permite à CABRI entender melhor o que funciona, quando e como é feita a gestão da dívida, e partilhar esses conhecimentos na nossa série de Análises do MDA. Os primeiros relatórios da série Análises do MDA fornecem evidências empíricas de que a composição ideal da carteira de dívida não é caracterizada pelo respeito pelas melhores práticas internacionais nem a existência de mandatos ou regulamentos formais. O que parece ser mais importante é o conhecimento do contexto local e as práticas de definição de prioridades, como a boa coordenação, a coerência e a clareza de funções, que resulta numa melhor funcionalidade.
Por exemplo, em muitas áreas da administração pública, presume-se que estruturas fragmentadas dão azo a ineficiências. Porém, os relatórios de Análise do MDA revelam que isto não corresponde necessariamente à realidade. Haverá casos em que o contexto local exige a fragmentação das responsabilidades ou até responsabilidades a nível superior e unificadas. Os resultados do MDA revelam que os países com operações fragmentadas de dívida externa e interna apresentam níveis superiores de dívida em moeda nacional do que os países com operações unificadas.
É igualmente interessante notar que as constatações do MDA sugerem que a clareza e a coerência na repartição das responsabilidades relativas à dívida são mais importantes do que a codificação dessas responsabilidades na lei. O MDA revela que os países em que os mandatos dos seus gabinetes de dívida estão formalizados na lei não parecem apresentar qualquer vantagem no que toca à composição da dívida. Aliás, os gabinetes de dívida com mandatos formalmente codificados na lei possuem mais dívida interna e mais dívida transaccionável. A CABRI terá defendido a importância do desenvolvimento do mercado nacional para proporcionar financiamento estável a longo prazo, reduzir a vulnerabilidade externa e fornecer aos emissores privados obrigações de referência. Por sua vez, a existência de mais dívida transaccionável é reflexo da presença de instrumentos susceptíveis de contribuir para a emergência ou aprofundamento do mercado secundário.
Embora os benefícios de informações abrangentes sobre a dívida pública sejam bem conhecidos, a Análise do MDA fornece outra razão pela qual as gabinetes de gestão da dívida devem zelar pela partilha de informações e o relato: o número de relatórios produzidos pelo gabinete de gestão da dívida está associado de forma positiva à dívida transaccionável, uma maior proporção da qual é de longo prazo (quase 50% da dívida dos países que produzem relatórios na maioria das modalidades objecto de acompanhamento pelo MDA está representada por instrumentos negociáveis).
Os resultados da Análise do MDA revelam ainda que os sistemas de corretores principais (CP) estão associados a mercados mais importantes de dívida em moeda nacional. Mais especificamente, metade da dívida dos países em que existe CP é em moeda nacional, enquanto que os países sem CP têm menos de um terço de sua dívida em moeda nacional. Também revela que os países que emitem pelo menos mensalmente também têm 33% mais dívida transaccionável do que os países que realizam leilões irregularmente.
À medida que vamos incluindo mais países e anos, a plataforma do MDA tornar-se-á mais útil para os gestores de dívida que pretendem saber como os seus pares gerem as suas carteiras de dívida. Esses dados adicionais também fornecerão mais evidências acerca dos elementos que contribuem ou não para a gestão efectiva da dívida e carteiras de dívida sustentáveis.