Embora os peritos estejam bem cientes das vantagens do investimento nos domínios da água e do saneamento, a análise económica é confrontada com as realidades das prioridades concorrentes do governo e com a limitação dos orçamentos. Neste contexto, a promoção do investimento nos sectores da água e do saneamento a partir das dotações orçamentais e dos financiamentos externos continua a ser um motivo de preocupação para os respectivos ministérios da tutela em muitos países em desenvolvimento onde todos os sectores apresentam enormes necessidades.
O que constitui um argumento forte para o investimento nas áreas da água e do saneamento? O que podem os gabinetes nacionais da dívida esperar dos ministérios sectoriais? O que pode ser feito para atrair mais financiamento de outras fontes, como os doadores, o sector privado e os agregados familiares?
Estas perguntas foram tema de debate numa oficina de avaliação pelos pares, promovida pela CABRI, em Kigali, de 20 a 22 de Junho 2018. O evento contou com representantes dos ministérios das finanças e dos ministérios responsáveis pela água, saneamento e saúde de sete países africanos de expressão francesa: Burkina Faso, República Centro-Africana (RCA), Côte d’Ivoire, República Democrática do Congo (RDC), Guiné, Mali e Ruanda. Dando sequência a um primeiro diálogo decorrido em Acra no início do ano, a oficina serviu de oportunidade para os ministérios das finanças e sectoriais trocarem impressões sobre como estimular e agilizar um maior financiamento para os serviços de água e saneamento.
Uma das constatações principais no evento de Kigali foi que o investimento na água e no saneamento pode ser promovido se os planos sectoriais reflectirem os planos nacionais de desenvolvimento e o compromisso dos países para com o ODS 6. Embora todos os países representados na oficina tenham iniciado a revisão dos planos sectoriais com base no ODS 6, apensa Burkina Faso e o Ruanda os finalizaram. Contudo, os planos centram-se na água potável, embora os requisitos de nível de serviço relacionados com a qualidade da água, a continuidade e a disponibilidade no local devam também ser integrados no processo de planeamento.
Igualmente, os planos sectoriais que contêm actividades específicas concebidas para alcançar os objectivos nacionais têm mais possibilidade de captar investimento, quer seja para a construção de infra-estruturas, apoio institucional ou actividades de sensibilização junto dos consumidores, etc. À semelhança de qualquer bom plano de investimento, ou projecto susceptível de obter financiamento bancário, é imprescindível que os planos sectoriais sejam bem orçados tendo em conta todos os custos, a saber aqueles relacionados com investimentos de capital, bem como os custos de exploração (como a manutenção) e os custos de apoio/institucionais. Os planos devem também estar alicerçados em estratégias de financiamento apropriadas que especifiquem como os custos serão suportados e por quem, quer seja os agregados familiares, o Estado ou por intermédio de ajudas externas. Um plano sectorial que inclua todos os custos e que seja acompanhado de uma estratégia de financiamento, que identifique as diferentes fontes de financiamento, a saber as contribuições do Estado, dos parceiros de desenvolvimento, do sector privado e dos consumidores, tem uma melhore hipótese de obter o apoio dos ministérios das finanças e dos parceiros.
Ao desenvolver estratégias de financiamento eficazes, é fundamental que os planos sectoriais estejam ancorados num maior conhecimento e compreensão dos fluxos financeiros para o sector. Os participantes em Kigali destacaram a importância de monitorizar as dotações para a água e o saneamento, bem como as fontes de financiamento e a aplicação desse financiamento. O acompanhamento dos fluxos financeiros, normalmente realizado pelos governos em relação aos seus próprios fundos e os fundos dos parceiros de desenvolvimento canalizados através de seus sistemas, deve ser estendido a todos os actores no sector. No Mali e em Burkina Faso, dois países que introduziram contas de WASH, os consumidores são entre os actores que mais contribuem para o financiamento dos serviços de água e saneamento, seja ao suportar os custos de investimento ou as despesas correntes. A par disto, as intervenções dos parceiros de desenvolvimento (inclusive por intermédio de ONG) são frequentemente financiadas à margem dos sistemas nacionais. Por conseguinte, os montantes de financiamento (e, por vezes, as actividades) não são conhecidos e não podem ser integrados na implementação e monitorização dos planos sectoriais nacionais. O acompanhamento das despesas efectivas pode ser uma ferramenta crítica para identificar as lacunas de financiamento, bem como as áreas geográficas e os subsectores que apresentam carências, e assim informar melhor os planos sectoriais nacionais e as estratégias de financiamento. Em Burkina Faso, as contas de WASH revelaram que o financiamento do sector devia ser triplicado para que o ODS 6 fosse alcançado. Tudo isto aponta para a necessidade de explorar diferentes opções de financiamento.
Os participantes discutiram a fundo a necessidade premente de alavancar fundos adicionais para o sector, sobretudo do Estado e de financiadores externos, e também como assegurar um melhor aproveitamento dos recursos públicos. Sendo um sector caracterizado por deficiências graves em infraestruturas críticas, é provável que das necessidades de financiamento do sector de água representem uma parcela significativa dos recursos públicos. Urge criar mecanismos para aumentar a coordenação entre os financiadores, especialmente com os parceiros de desenvolvimento que apoiam o sector. Os participantes reflectiram sobre a experiência do Ruanda com a criação de uma Abordagem Sectorial (SWAp) destinada a coordenar os investimentos em harmonia com os objectivos nacionais através da implementação de um plano de acção comum entre os financiadores. O Ruanda também definiu condições rigorosas para a participação dos doadores (e ONG) no sector para assegurar a conformidade com as políticas nacionais e as plataformas de coordenação.
O aumento dos serviços de forma sustentável do ponto de vista financeiro deve ser outro elemento essencial de qualquer estratégia de financiamento. No entanto, nenhum dos países representados na oficina possuía uma regulamentação tarifária adequada em todos os subsectores. Em Côte d’Ivoire, onde a companhia das águas urbanas, a ONEP, mantém um contrato de locação com uma empresa privada numa área que abrange quase 1.100 localidades, as tarifas não foram actualizadas desde 2004. No que respeita ao saneamento, além do Burkina Faso, onde a concessionária nacional, a ONEA presta serviços no local e explora redes de esgotos, nenhum outro país havia criado mecanismos reguladores para qualquer segmento dos serviços de saneamento. Reconhecendo a complexidade das reformas tarifárias, principalmente à luz das implicações políticas, os participantes discutiram exaustivamente os mecanismos para equilibrar os orçamentos dos provedores de serviços de água no contexto de uma margem de manobra reduzida para aumentar as tarifas. A implantação de ligações de água aos domicílios (e o aumento do consumo diário) nas áreas periurbanas, por exemplo, através da disponibilização de ligações subsidiadas, foi identificada como um factor susceptível de aumentar as receitas e, por conseguinte, contribuir para gerar receitas significativas. A agregação de áreas rurais para o abastecimento de água é também uma eventual solução para aumentar o acesso a serviços, ao reduzir as tarifas que normalmente são mais altas do que nas zonas urbanas, ao adoptar mecanismos de subsídios cruzados que, se apropriadamente concebidos e implementados, poderão contribuir para aumentar as receitas. Todavia, há que modelar e controlar adequadamente o equilíbrio entre os custos e as receitas para assegurar a devida definição de tarifas e a ampliação dos serviços.
Outros instrumentos de financiamento discutidos durante a oficina como eventuais mecanismos para aumentar o financiamento do sector da água incluem a criação de fundos nacionais de água (eventualmente obtendo financiamento de impostos sobre a captação de água e de poluição, quando estes forem introduzidos), fundos compostos de múltiplos intervenientes, microfinanciamento para saneamento e subsídios cruzados entre sectores, particularmente entre os sectores da energia e da água
No geral, os participantes salientaram a necessidade de assegurar uma maior participação das direcções nacionais do orçamento no desenvolvimento, implementação e revisão dos orçamentos do sector da água. Esta colaboração entre os ministérios de tutela e os ministérios das finanças serviria para fomentar as áreas da água e do saneamento, mantendo-se os ministérios das finanças responsáveis pelo controlo financeiro e análises suplementares dos planos orçados, enquanto os ministérios sectoriais teriam a oportunidade de apresentar - e defender – os seus planos. A CABRI deu início a um diálogo importante, que deverá continuar para além do evento. À medida que se constroem pontes entre os ministérios responsáveis pelos recursos hídricos e os ministérios das finanças, cabe aos ministérios sectoriais e às organizações activas no sector da água aproveitar estas oportunidades para transformar o financiamento do sector numa realidade palpável.