Neil Cole e Joana Bento, do Secretariado da CABRI, participaram na Conferência sobre a Ajuda e a Despesa Pública (CAPE) que decorreu em Londres, nos dias 19 e 20 de Outubro de 2016. Trata-se de um evento promovido todos os anos pelo Overseas Development Institute e conta com a participação de funcionários públicos, académicos e especialistas no domínio do desenvolvimento de todo o mundo. Este ano, a conferência assumiu os contornos de um exercício de obtenção de consenso sobre as formas em como a ajuda ao desenvolvimento pode ser prestada de forma mais eficaz no âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. O tema da conferência foi escolhido para coincidir com a 2ª Reunião de Alto Nível em Nairobi sobre Eficácia do Desenvolvimento.
A contribuição da CABRI na conferência de Londres centrou-se nos progressos logrados pelos parceiros de desenvolvimento (doadores) quanto à utilização dos sistemas nacionais na prestação da ajuda e nas formas mais propícias de um progresso maior. Segue um extracto da contribuição da CABRI.
Vários acordos internacionais exortam os doadores a utilizar os sistemas nacionais tanto quanto possível. Esses acordos reconhecem que, quando os sistemas dos próprios países são utilizados, o reforço desses sistemas dá azo a um eventual aumento do investimento.
Diversas avaliações, incluindo os estudos realizados pela CABRI, revelam uma fraca correlação entre a solidez dos sistemas nacionais e a medida até à qual os parceiros de desenvolvimento utilizam estes sistemas para a prestação da ajuda. Parece também existir um efeito limiar em que os parceiros de desenvolvimento atingem um nível de utilização dos sistemas nacionais e não ultrapassam esse nível, independentemente da melhoria ou deterioração da qualidade dos sistemas nacionais.
Acreditamos que há várias razões por isto.
Os acordos mundiais sobre a eficácia da ajuda contêm todos o compromisso de aumentar a utilização dos sistemas nacionais para a prestação da ajuda. O mais recente Acordo de Parceria de Busan contém um compromisso no parágrafo 19 (b) que declara “onde a utilização da totalidade dos sistemas dos países não é possível, o provedor de cooperação para o desenvolvimento comunicará as razões pela não utilização e discutirá com o governo o que é necessário para assegurar para a plena utilização, incluindo qualquer assistência ou mudanças necessárias para o fortalecimento dos sistemas”. Embora tenha estipulado a abordagem a ser aplicada ao reflectir sobre a medida até à qual os sistemas nacionais podem ser utilizados, também dá origem a uma abordagem de tudo ou nada e a uma associação demasiado estreita entre o aumento da utilização dos sistemas nacionais e a disponibilização de apoio orçamental. O apoio orçamental é uma modalidade de prestação de ajuda que passa pelo parceiro de desenvolvimento entregar essa ajuda directamente ao governo beneficiário. Infelizmente, o apoio orçamental é frequentemente equiparado aos compromissos mundiais sobre a utilização dos sistemas nacionais. Sempre que os parceiros de desenvolvimento não estão em condições de prestar ajuda pelo apoio orçamental, são culpados de não honrar os compromissos internacionais no sentido de aumentar a utilização dos sistemas nacionais.
O apoio orçamental é uma modalidade de ajuda. O compromisso de aumentar a utilização dos sistemas nacionais é um princípio que obriga os parceiros de desenvolvimento a utilizarem os sistemas de um país para a concessão da ajuda, independentemente da modalidade de ajuda em vigor.
Devemos pensar nos sistemas nacionais não como um sistema único, mas como componentes separados (diagrama 1). Os oito componentes são tipicamente os que são utilizados para a dotação estratégica, o desembolso e contabilidade das receitas do governo.
Sempre que os sistemas nacionais não são utilizados, quer na íntegra ou apenas a nível de um ou mais dos componentes no diagrama 1, os doadores criarão sistemas paralelos sobre os quais exercem o pleno controlo, sobretudo no que tange à contratação pública de bens e serviços. Convém salientar que cada um dos oito componentes apresenta riscos fiduciários diferentes. Por exemplo, a inclusão de toda a ajuda no plano e no processo orçamental apresenta menos riscos fiduciários para os doadores que os sistemas nacionais de contratação pública para efeito de implementação de projectos financiados.
É essencial que o fórum de alto nível sobre a eficácia da ajuda em Nairobi destrinça os componentes individuais ao invés de apelar à utilização dos sistemas nacionais em termos genéricos. Isto é importante porque o compromisso que vai no sentido da “plena utilização dos sistemas nacionais” está voltado para o apoio orçamental, um instrumento político que nem todos os doadores se podem comprometer a utilizar.
A CABRI apela a que toda a ajuda esteja:
- no plano e no orçamento – os parceiros de desenvolvimento devem assegurar que toda a informação e toda a ajuda seja comunicada oportunamente aos países beneficiários para permitir prever as receitas que estarão disponíveis para afectação no processo orçamental.
- no-parlamento – se for possível integrar plenamente toda a ajuda no plano e no orçamento, toda a ajuda financeira recebida por um governo poderá ser incluída nos documentos orçamentais apresentados ao parlamento. Isto permite uma melhor prestação de contas e uma melhor supervisão legislativa da despesa.
Os restantes componentes, como na-contratação pública e na auditoria apresentam um risco fiduciário maior. As avaliações conjuntas a nível nacional deverão permitir determinar a situação desses sistemas, as medidas que devem ser tomadas e os prazos para a sua utilização.
Em conclusão, nas decisões sobre os sistemas que podem ser utilizados, há que ter em consideração os riscos de longo prazo para o desenvolvimento se os sistemas nacionais não forem utilizados. É compreensível que os doadores hesitem, pois devem prescindir de algum do controlo sobre a ajuda ao desenvolvimento que prestam, o que pode ser visto como aumentando o risco de as actividades não serem implementadas ou dos fundos não serem utilizados conforme preconizado. Estes riscos fazem-se sentir a curto prazo e variam de doador para doador. As vantagens da utilização dos sistemas nacionais incidem, contudo, no desenvolvimento e são duradouras.