Nos países mais ricos, em condições de mobilizar recursos para garantir o acesso precoce a vacinas contra a Covid-19, a primeira metade de 2021 marcará o princípio do fim da pandemia. A cobertura da vacinação nos países africanos caracteriza-se por um arranque lento, em virtude, principalmente, de condicionalismos de ordem financeira; até meados de Fevereiro de 2021, apenas a Guiné[1], o Egipto, Marrocos, o Ruanda e as Seicheles iniciaram as suas campanhas de vacinação, tendo a África do Sul interrompido o seu programa por terem surgido dúvidas quanto à eficácia da vacina da AstraZeneca contra a variante 501Y.V2 do vírus[2] (COVID-19 PF Response Monitor). Em África, distribuição generalizada da vacina está prevista só para 2022 ou mesmo 2023.
Em África, muito além do risco à vida, a pandemia da Covid-19 provocou a devastação das economias dos países, cujas actividades sofreram paragens temporárias, resultando na perda de receitas de impostos, investimento estrangeiro directo, remessas e turismo. Neste contexto, a vacinação contra a Covid-19 apresenta-se como uma medida crítica, se não a medida mais eficiente para combater a perda de vidas e uma maior disrupção da economia. No entanto, a compra e a administração da vacina são actividades dispendiosas, num momento em que os governos africanos se confrontam com um espaço orçamental mais reduzido do que nunca.
Embora a comunidade internacional, em particular o Banco Mundial e a Fundação Bill e Melinda Gates, tenha contribuído significativamente para o financiamento da vacina, continua a registar-se um défice de financiamento considerável que deverá ser preenchido pela afectação e reafectação de recursos internos. Porém, as restrições orçamentais e mecanismos de planeamento inadequados levaram a muitos dos governos africanos a contar exclusivamente com os parceiros externos para financiar e fornecer a vacina. Face ao aumento da despesa com a saúde e os condicionalismos financeiros que se registam em todo o mundo, é improvável que os parceiros de desenvolvimento, que tradicionalmente asseguram a ajuda bilateral e multilateral, estejam em condições de financiar os programas de vacinação nos países africanos nos próximos dois ano e mais além. Por conseguinte, é crucial que os governos africanos ponderem formas de financiar eles próprios a compra e distribuição desta nova vacina no curto e médio prazos.
Durante a crise, os países têm respondido ao realocar fundos programados para outras finalidades para financiar a resposta à crise. Seria expectável que esta viesse a ser a norma para o financiamento da vacina, mas não é isto que se tem vindo a observar. O Governo do Uganda indicou que pretende adquirir 18 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 do Instituto Serum na Índia. Desde o início da pandemia, o Uganda aprovou dois orçamentos rectificativos de combate à Covid-19 e um orçamento anual, mas nenhum destes previam o financiamento da vacina. O Projecto de Política Orçamental 2021 do Quénia, lançado em 25 de Janeiro de 2021, não menciona o financiamento da vacina. Na Nigéria, o Ministério das Finanças, do Orçamento e do Planeamento Nacional disponibilizou 10 mil milhões de naira (USD 26.27 milhões) em apoio à produção de vacinas no país, mas o Ministro Zainab Ahmed, afirmou que o Orçamento de 2021 não previa a compra de vacinas contra a Covid-19. Contudo, é reconfortante que o Ministro da Nigéria manifestou o compromisso à Assembleia Nacional de que apresentaria um orçamento rectificativo com despesa adicional em vacinas contra a Covid-19, se necessário. A África do Sul também não divulgou como pretende financiar a compra das vacinas no orçamento de emergência da Covid-19 em Junho nem no orçamento justificativo em Outubro; esta informação deverá constar do orçamento de Fevereiro de 2021, já depois da primeira entrega (malfadada) das vacinas. Um país que fez provisão clara no orçamento para o financiamento da vacina é o Zimbabwe; George Guvamatanga, o Secretário do Ministério das Finanças afirmou que o governo utilizaria o excedente do orçamento de 2020 e reafectaria algumas das dotações no orçamento deste ano para a compra das vacinas. O Governo reservou USD 100 milhões para a compra de 20 milhões de doses da vacina para vacinar 60 porcento da população (Monitor de Resposta de Finanças Públicas à Covid-19).
Esta tendência é preocupante, dado que os governos deverão ter sabido logo no início da pandemia que teriam de utilizar alguns recursos nacionais para fazer face ao custo das vacinas; face ao espaço reduzido para aumentar o orçamento da saúde, as reafectações eram inevitáveis. Os governos devem abordar a reafectação com caução e prudência para não prejudicarem outras despesas, sobretudo outros programas na área da saúde. Se for abordado com ponderação, a reafectação pode até beneficiar toda a economia. O governo poderia aproveitar esta oportunidade para reavaliar as suas decisões de despesa e utilizar os fundos de áreas não prioritárias ou projectos que acarretam prejuízos. Os governos sem um plano e orçamentos claros poderão também sentir-se pressionados para tomar decisões intempestivas em relação a quem deveria receber a vacinação, ao invés de seguir orientações baseadas em evidências para a distribuição equitativa. A disponibilidade precoce de financiamento teria aumentado as hipóteses dos países de receber a vacina mais cedo e a um preço razoável. Os produtores já registam dificuldades em fornecer as encomendas que receberam dos países desenvolvidos que assinaram os contratos de compra em 2020. Ademais, muitos dos mecanismos actuais exigem que os produtores forneçam a vacina ao preço de custo; uma vez esgotado o stock inicial das vacinas, é provável que o aumento da procura irá levar a uma guerra de ofertas e o aumento dos preços.
Um próximo estudo, informado pelos dados recolhidos para o Monitor de Resposta de Finanças Públicas à Covid-19 da CABRI, oferecerá uma visão geral da panorâmica da vacina do financiamento da Covid-19 e de como a distribuição está a ser decidida no continente africano. Este deverá ser útil para os técnicos e politicos que se deparam com o desafio de como pagar, comprar e distribui as vacinas contra a Covid-19, e facilitar a aprendizagem entre países por parte dos técnicos nos domínios da GFP e da saúde. Esta informação será útil para os muitos países em África que ainda não iniciaram as compras directas da vacina contra a Covid-19 e para aqueles que irão necessitar de mais doses do que já conseguiram obter.
[1] A Guiné é o único país de baixo rendimento que proporcionou algumas vacinas, tendo administrado a vacina russa, Sputnik, a apenas 25 pessoas, entre elas o Presidente. (https://www.theguardian.com/so...)
[2] Uma decisão recente do governo da África do Sul no sentido de doar as suas um milhão de doses da vacina AstraZeneca ao programa de vacinas coordenado pela União Africana alinha bem com os objectivos do programa continental de compra de vacinas. Esta poderão ser distribuídas aos países sem casos da variante 501Y.V2 do vírus.