Na data de redacção do presente, menos de 3 por cento dos 1,3 mil milhões de habitantes de África tinha o esquema vacinal completo contra a Covid-19, face à média mundial de 30 por cento. O rápido alargamento dos programas de vacinação contra a Covid-19 em África exigirá uma colaboração sustentada entre os profissionais de saúde e os técnicos das finanças para efeitos da planificação, da orçamentação e da implementação dos respectivos programas.
Em Março de 2021, apontámos para o facto de que a maioria dos governos africanos ainda não orçamentara para as vacinas contra a Covid-19. Em Abril de 2021, advertimos que a ausência de orçamentos oportunos e a repriorização acelerada dos fundos pode remeter para segundo plano as despesas prioritárias, a saber outros programas de saúde e de vacinação. A par disto, observámos que a atribuição de recursos nacionais será necessária para colmatar a lacuna de financiamento das vacinas e assinalará o compromisso para com a comunidade internacional de desenvolvimento e permitirá catalisar um maior apoio externo.
Os programas de vacinação contra a Covid-19 podem não ter sido orçamentados ou incluídos em documentos orçamentais por várias razões. Alguns governos presumiram que o apoio internacional, nomeadamente através do mecanismo COVAX, seria suficiente. Outros, ainda que não oficialmente, defendiam que o seu envelope financeiro já limitado devia ser dirigido a outras prioridades prementes, sobretudo face ao número reduzido oficial de casos confirmados nos seus países. É igualmente provável que haja despesas extraorçamentais relacionadas com os programas de vacinação; o financiamento dos parceiros de desenvolvimento, em particular, pode não estar reflectido nos documentos orçamentais se os parceiros optarem por não canalizar os seus fundos pelos sistemas nacionais e se os países tiverem redirigido os financiamentos ou subvenções existentes aos seus programas de vacinação.
Todavia, os dados mais recentes colhidos para o Monitor de Resposta à Covid-19 pelas Finanças Públicas pinta um quadro mais promissor da inclusão de programas de vacinação contra a Covid-19 pelos governos africanos nos seus documentos orçamentais. O Monitor capta informações respeitantes a 18 países africanos que incluíram publicamente os programas de vacinação nos seus orçamentos anuais ou suplementares. Surgem ainda indicações de que os países estão a disponibilizar mais recursos próprios. Até Julho de 2021, a Argélia havia orçamentado 174,6 milhões de dólares (0,1 % do PIB) para o seu programa de vacinação contra a Covid-19. Em Fevereiro de 2021, o Ministério das Finanças de Cabo Verde afirmou ter orçamentado 2,2 milhões de dólares (0,11% do PIB) para a aquisição de vacinas contra a Covid-19. O orçamento do Gana para 2021, apresentado ao Parlamento em Março de 2021, incluía um montante de 165 milhões de dólares para cobrir os custos operacionais e de aquisição. Em Junho de 2021, três meses após a aprovação do orçamento anual, os legisladores nigerianos aprovaram um orçamento suplementar que previa 111 milhões de dólares para o programa de vacinação contra a Covid-19. Este valor será financiado pelas subvenções e empréstimos existentes, e contas especiais de reserva. No orçamento do Uganda para 2020/21 foram atribuídos cerca de 139 milhões de dólares (0,4% do PIB) para a aquisição de vacinas e cerca de USD 132 milhões (0,3% do PIB) no exercício de 2021/22. Não ficou explícito quanto do orçamento para 2020/21 foi gasto ou renovado.
As figuras 1 e 2 revelam que os valores variam significativamente, mesmo em relação ao PIB e a dimensão populacional.
Num punhado de países, assiste-se à afectação de fundos para a criação de capacidades de produção de vacinas. Na revisão orçamental intercalar do Gana, foi anunciado que 25 milhões de dólares em capital de arranque foram comprometidos para a criação de um Instituto Nacional de Vacinação; mas o impacto pode ser limitado quando se trata da provisão a curto ou mesmo a médio prazo das vacinas contra a Covid-19. O governo de Marrocos disponibilizou 500 milhões de dólares para incentivar a produção nacional da vacina contra a Covid-19. O Senegal pretende construir um centro de produção de vacinas, com a capacidade de produzir vacinas contra a Covid-19, a um custo estimado em 200 milhões de euros e financiado principalmente por parceiros de desenvolvimento. O governo das Maurícias também atribuiu 28 milhões de dólares para incentivar a produção nacional da vacina contra a Covid-19 e de outros produtos farmacêuticos. Estes investimentos na indústria transformadora são uma indicação promissora de que esta crise está a ser usada para criar sistemas de saúde resilientes e autossuficientes em África. No entanto, para garantir que estas instalações não acabem em “elefantes brancos”, os governos terão de assegurar a apropriação e o investimento local adequados, e manter parcerias previsíveis e sustentáveis com a comunidade internacional de desenvolvimento e o sector privado.
Neste contexto, e face à enorme tarefa de alcançar a imunidade de grupo em África, será necessário canalizar significativamente mais fundos para as tarefas imediatas de adquirir e distribuir vacinas. Embora até meados de 2021, as limitações da oferta tenham sido o principal obstáculo à vacinação da população africana, assistimos a cada vez mais casos de países incapazes de administrar as vacinas que lhes terão sido atribuídas.
Embora as razões para tal estejam além da competência da GFP ou mesmo do Ministro das Finanças, sabemos que é necessário mobilizar e potencialmente reafectar mais recursos de rubricas orçamentais não essenciais para os custos operacionais e para combater a hesitação às vacinas. A vacinação é um negócio oneroso: a OMS estimou que as operações consomem 60 cêntimos de cada dólar destinado à administração de vacinas. Observou igualmente que, embora a maioria dos governos africanos dispõem de planos de financiamento para cobrir os iniciais três por cento das suas populações, estes planos não abrangem adequadamente as fases subsequentes da administração das vacinas. A OMS alerta ainda para o facto de que os planos de custos que têm vindo a examinar normalmente excluem os principais factores de custo de vacinação de pessoas em zonas periféricas, como o recrutamento de vacinadores, o armazenamento em câmaras frigoríficas e o transporte. Este é um facto que suscita preocupações importantes, uma vez que, tipicamente, o financiamento dos custos operacionais ou de distribuição de última milha das vacinas pelos parceiros de desenvolvimento não é abundante, e este parece ser o caso também para a vacina contra a Covid-19. Implica também que a desigualdade da vacinação nos países irá aprofundar-se, uma vez que as pessoas fora das zonas urbanas podem não ter acesso às vacinas ou podem não ser sensibilizadas para a necessidade de serem vacinadas.
Existem ainda aqueles que, reconhecendo a amplitude e a despesa da vacinação de 60 por cento da população africana (ou de 84 por cento para aqueles que defendem que este é o limiar mínimo contra a variante Delta), duvidam que a imunidade de grupo seja alcançada em África no médio trecho. O Banco Mundial estimou que os custos médios de vacinação per capita em África equivalem a cerca de 150% do total anual das despesas públicas de saúde per capita pelos governos africanos. Este valor, além de representar o peso significativo da vacinação contra a Covid-19, serve também de recordação do financiamento inadequado actualmente canalizado para a saúde em África. Ao avançarmos lentamente para a imunidade de grupo, há que assegurar que seja atribuído financiamento adicional aos sistemas de saúde para garantir o tratamento adequado daqueles que, por não terem recebido a protecção de uma vacina, adoecem gravemente com a Covid-19.
Um estudo previsto para breve publicação pela CABRI, Orçamentação no contexto da COVID-19: Tendências e instrumentos de reafectação, revela que os aumentos das dotações orçamentais para o sector da saúde para dar resposta à Covid-19 têm sido uma prática comum durante a crise. Foram anunciados investimentos avultados para necessidades de prevenção e de tratamento, tais como equipamentos de protecção individual, kits de teste, ventiladores e instalações de isolamento ou de quarentena. As despesas com a saúde, como percentagem da dotação orçamental atingiram os 12,1 por cento em Moçambique, face a uma média de 8,9 por cento na última década. Até as Seicheles, que já registava o nível mais elevado de despesas com a saúde per capita no continente, de USD 792 por capita no contexto pré-Covid, aumentaram as despesas recorrentes atribuídas à saúde de 16,8 por cento para 17,3 por cento, ao mesmo tempo que reduziram as dotações para a maioria dos outros itens orçamentais. A Etiópia aumentou as suas dotações para a saúde em 46 por cento em 2020. O Quénia reafectou 9,4 milhões de dólares para a contratação de novos profissionais de saúde. Foi também atribuída uma parte significativa aos profissionais de saúde, quer para aumentos salariais quer para a contratação de pessoal suplementar, no Quénia, no Malawi, na África do Sul e na Zâmbia. O Egipto aumentou a sua despesa na saúde em 2021/22 para quase 7 mil milhões de dólares, face aos 5,9 mil milhões em 2020/2021.
Todavia, modo geral, a repriorização da resposta à saúde não se traduziu num aumento para outros programas de saúde não relacionados com a Covid-19. Em vez disso, o foco na resposta contra a Covid-19, por vezes levou a que outras doenças fossem descuradas. O que se impõe é um aumento das dotações para o sector da saúde em geral, como complemento e pré-requisito para a vacinação como forma de salvar vidas. A repriorização também, por vezes, veio à custa de sectores de capital social e humano, como a educação e a nutrição.
No dia 30 de Setembro, à semelhança daquilo que fizemos em Abril de 2021, pretendemos convocar os ministérios das finanças e da saúde de toda a África para reflectir sobre os desafios acima referidos e partilhar o ponto de situação relativamente ao financiamento, à aquisição e à distribuição de vacinas contra a Covid-19.