Este blogue contém as reflexões de um “coach” da CABRI que trabalhou com uma equipa de técnicos da Libéria em 2017 no âmbito do programa de Reforço das Capacidades de GFM.
Em 2017, a Iniciativa Colaborativa para a Reforma Orçamental em África (CABRI) lançou o programa de Reforço das Capacidades de GFM (BPFMC) que aplica a abordagem de Adaptação Iterativa Centrada nos Problemas (Problem Driven Iterative Adaptation - PDIA) a problemas reais de GFP. O programa BPFMC, concebido em colaboração com o programa de Reforço das Capacidades do Estado (Building State Capability - BSC), trata-se de uma iniciativa com a duração de oito meses de colaboração com grupos de técnicos dos países com vista a encontrar soluções para resolver problemas identificados pelo país no domínio da gestão das finanças públicas (GFP). As equipas dos países gozam do apoio de um “coach” dedicado do Secretariado da CABRI ao procurarem novas soluções, aprenderem dos êxitos e dos fracassos, e iterarem. Na qualidade de “coach” da equipa da Libéria, contactava a equipa quinzenalmente e visitei Monrovia duas vezes entre Junho e Dezembro de 2017. Enquanto os membros da equipa descreveram as suas experiências num blogue, num vídeo e num estudo de caso (Notas de Práticas), neste blogue, pretendo partilhar a minha experiência enquanto “coach” da CABRI.
O trabalho com a equipa começou num contexto de enormes investimentos externos em reformas de GFP na Libéria, com resultados variados. De acordo com o Comité de Assistência ao Desenvolvimento, em 2007, a Libéria, um país com menos de 5 milhões de habitantes, recebeu ajuda pública ao desenvolvimento no valor de 566 milhões de dólares americanos para apoiar a sua GFP, o desembolso anual mais elevado em África entre 2002 e 2016.
Este valor de 566 milhões de dólares foi gasto na remuneração de uma série de consultores que introduziram várias “melhores práticas” como:
- o quadro de despesa a médio prazo (QDMP), caracterizado como estando “inactivo desde 2014/15” (fonte: PEFA).
- uma conta única do tesouro (CUT) que recebeu uma notação de 2/10 (fonte: Banco Mundial).
- um sistema integrado de informação para a gestão financeira (IFMIS) que “exige uma forte capacidade de recursos humanos e boa conectividade, ambos os elementos estando aquém das necessidades” (fonte: PEFA).
A equipa com a qual colaborei começou a trabalhar em Abril de 2017 na identificação de um problema real que, na opinião dela, colocava gravemente em causa a credibilidade do orçamento: a despesa extraorçamental excede o orçamento aprovado em 15%, e as transferências orçamentais têm registado um aumento. O primeiro passo não foi uma tentativa de implementar uma solução de “melhor prática”, conforme é o caso frequentemente.
Além das realizações da equipa, conforme descritas no blogue e nas Notas de Prática, gostaria de partilhar as minhas opiniões em relação à aprendizagem pela equipa e os factores de sucesso.
Os esforços graduais da equipa no sentido de melhorar a coordenação no seio do Ministério das Finanças e do Planeamento do Desenvolvimento (MFDP) representam um feito importante. Foi difícil acreditar quão raramente os departamentos localizados no mesmo ministério coordenavam e harmonizavam as suas acções. Reunindo técnicos de diferentes departamentos na mesma equipa, foi possível melhorar a troca de informações entre os departamentos de assuntos fiscais e do orçamento, o que começou logo a surtir efeito. Embora esta possa parecer uma realização fácil e não técnica, tratou-se de um avanço rápido que reforçou a coordenação entre os departamentos. Mais especificamente, melhorou a comunicação entre os analistas dos orçamentos das entidades de despesa e os especialistas de bases de dados, o que levou à melhoria do prazo de submissão e qualidade dos planos de despesa.
O sentido de propósito comum da equipa foi um elemento-chave para a colaboração. Logo no início do programa, os membros da equipa concordaram que a adopção da abordagem PIDA para lidar com o problema que identificou iria exigir mais trabalho e mais tempo no escritório, sem qualquer incentivo financeiro nem outra recompensa pelo desempenho, além de contribuir para a resolução de um problema que resistira a todos os esforços de reforma. Precisariam também que os colegas noutros departamentos e ministérios colaborassem voluntariamente – precisariam da aceitação deles. Com este objectivo, a equipa promoveu três workshops com as entidades de despesa. Estas representavam um desafio, já que a equipa sabia que a sua legitimidade e abordagem iriam ser alvo de críticas. Todavia, a reacção que recebeu levou-a a aperceber-se de que o MFDP também contribuía para o problema. Um inquérito junto das entidades de despesa foi uma forma de a equipa identificar o que o MFDP podia fazer para melhorar os processos de prestação de contas e demonstrou a vontade das mesmas para resolver o problema. A equipa também fez questão de reconhecer e valorizar a contribuição individual do trabalho conseguido, o que foi instrumental para a criação do Comité de Gestão da Liquidez (CGL), que exigia o empenho de múltiplos departamentos no MFDP. Conforme referiu um membro do CGL: “o mais importante é que a informação esteja a ser utilizada para a tomada de decisões, o que é uma enorme mais-valia e vai estimular-nos a fazer mais”. O carácter real e urgente do problema foi um elemento crucial para unir as pessoas em prol de um objectivo comum.
Uma lição marcante para a equipa foi o processo de obter autoridade no MFDP. A autorização era necessária, face aos interesses pessoais em manter a situação vigente, caracterizada pelos poderes discricionários das entidades de despesa e dos agentes no MFDP. Logo na sua primeira tentativa mal- sucedida, a equipa apercebeu-se de que devia convocar um encontro com o Ministro. Precisava de fazer mais e assegurar a sua credibilidade ao conseguir sucessos rápidos, engajamento com as partes interessadas e apresentação de informes periódicos aos seus superiores directos e autorizadores. A autorização concedida pelo Ministro em Julho de 2017 suscitou uma mudança de paradigma para a equipa, cujos membros “começaram a ver-se como reformadores a responder a um desafio”. Fiquei surpreendido ao aperceber-me de que a equipa, composta de técnicos superiores que ocupavam o cargo há muitos anos, possuíam tão pouca experiência em obter a autorização do seu próprio Ministério. Conforme afirmou um membro da equipa: “enquanto locais, esforçamo-nos mais para ganhar a confiança dos nossos chefes e colegas, ao contrário dos peritos externos que entravam com legitimidade externa”. Isto não devia ser a norma.
O trabalho da equipa levou a uma melhoria significativa dos planos de despesa que foram apresentados, bem como à criação de um comité de gestão da liquidez, dotado de poderes activos de decisão. Há muito mais a fazer até esta equipa alcançar o objectivo de limitar a despesa extraorçamental a 5% do orçamento aprovado e, em particular, impedir a interferência política na execução do orçamento. Desejo-lhes tudo do melhor nas suas futuras iniciativas.
Para mais informações, consulte as Notas de Práticas da Libéria.