Como podem os países africanos mobilizar recursos para fazer face às suas necessidades sanitárias, como garantir a disponibilidade constante dos kits de teste, dos EPI, das máscaras, dos ventiladores e outros equipamentos médicos necessários para responder melhor à Covid-19 e como afectar, com maior eficácia, os escassos recursos às diferentes necessidades em tempos de pandemia? Em nenhum outro momento terão as compras estratégicas para a saúde sido mais relevantes para os países africanos do que agora. De acordo com a OMS, compras estratégicas trata-se da “participação activa e baseada em evidências na definição do conjunto e do volume de serviços, e na selecção do conjunto de fornecedores de forma a maximizar os objectivos sociais”. As compras estratégicas são fundamentais para a gestão das finanças públicas no domínio da saúde.
No dia 30 de Abril, a CABRI promoveu um painel virtual intitulado: Aplicação das compras estratégicas em tempos de recessão económica, um delicado exercício de equilíbrio para os Ministérios das Finanças africanos. O evento teve por objectivo disponibilizar uma plataforma onde os profissionais de todo o continente pudessem partilhar experiências sobre a prática das compras estratégicas no domínio da saúde no contexto da Covid-19. Os membros do painel foram Neil Cole, secretário executivo da CABRI; Dr. Benjamin Djoudalbaye, Chefe de Política e Diplomacia da Saúde nos Centros Africanos de Controlo e Prevenção de Doenças; e a Dra. Evelyn Abena Arthur, Directora do Orçamento no Ministério das Finanças da República do Gana. O webinar foi moderado por Ashveena Gajeelee, chefe de programas e equipa técnica da CABRI.
O Sr. Neil Cole deu início aos trabalhos do painel ao analisar quatro opções gerais actualmente prosseguidas pelos governos africanos para flexibilizar o espaço orçamental face à Covid-19. Em primeiro lugar figuram os empréstimos e fundos de ajuda de agências internacionais como o FMI, o BM, o Banco BRICS e o Banco Africano de Desenvolvimento. A segunda opção é a repriorização das dotações orçamentais destinadas a bens e serviços e despesas de capital para o financiamento da saúde. A terceira opção é o recurso a fundos de emergência e a fundos nacionais para catástrofes. Por último, muitos governos africanos aplicaram métodos de financiamento inovadores, tais como a criação de fundos específicos e de solidariedade para a Covid-19, ao receberem contribuições de particulares e do público. O Neil também apresentou o Monitor de Resposta das Finanças Públicas à Covid-19, recentemente lançado pela CABRI. O monitor contém dados a respeito das forma como os governos africanos têm respondido à pandemia, incluindo medidas destinadas a assegurar o financiamento da saúde, acelerar as aquisições e a disponibilização de fundos, e mitigar as consequências socioeconómicas.
Uma segunda área que foi discutida foi a aceleração e a simplificação dos procedimentos de aquisição. As medidas adoptadas pelos governos a este respeito consistem em: (a) permitir autorizações de emergência e o licenciamento simplificado para responder rapidamente às necessidades de saúde; (b) adopção de processos de aquisição de emergência com base nos regulamentos e leis de PFM já existentes; (c) utilizar plataformas digitais para assegurar e gerir o fornecimento de equipamentos sanitários e medicamentos; e (d) assegurar a continuidade das funções regulares do tesouro, como a gestão integrada das finanças públicas, e o pagamentos dos salários durante o período de confinamento e quando muitos funcionários públicos trabalham em regime remoto.
Os membros do painel também discutiram medidas para limitar as dificuldades causadas pelos preços. O aumento da procura de equipamentos sanitários e medicamentos tem causado a escassez dos produtos necessários e o aumento dos preços. Estas medidas incluem a concessão de subsídios, a regulamentação dos preços (e a aplicação de multas para quem aumente o preço) e a redução ou eliminação de direitos sobre as importações de medicamentos e equipamentos médicos.
O segundo painelista, o Dr. Benjamin Djoudalbaye, do CDC em África, apresentou as medidas tomadas pelo centro para responder à necessidade de abastecimento de produtos médicos em todo o continente. A estratégia foi aprovada pelos ministérios da saúde africanos no início de Fevereiro. Foi criado o Grupo de Trabalho Africano sobre o Coronavírus para trabalhar em três frentes: prevenção da transmissão, prevenção de mortes e prevenção de prejuízos sociais. A Mesa dos Chefes de Estado da União Africana criou três subcomissões: uma sobre o financiamento, responsável por mobilizar recursos para responder à Covid-19, uma sobre transportes e logística para coordenar os principais provisionamentos e assegurar uma resposta rápida, e outra sobre a saúde para apoiar a adopção da estratégia de resposta à saúde pública. O comité directivo continental do grupo de trabalho supervisiona sete grupos de trabalho técnicos sobre várias questões relevantes.
O CDC África introduziu uma nova iniciativa designada de Partnership for Accelerated Covid-19 Testing (PACT), que visa aumentar a testagem e garantir que 10 milhões de testes sejam realizados no continente em quatro meses. Está igualmente prevista a criação de centros de aquisição, armazenamento e distribuição em toda a África, bem como o destacamento de 1 milhão de profissionais de saúde para o rasteio de contactos. A iniciativa visa igualmente uniformizar e implementar novas tecnologias de vigilância.
Virando o debate para os próprios países, Evelyn Abena Arthur, a Directora do Orçamento no Ministério das Finanças do Gana apresentou uma análise aprofundada da resposta do Gana. Confrontado com o aumento das necessidades de despesa para a saúde e a carência de receitas, o governo tomou várias medidas para obter financiamento. Recorreu à Lei da Gestão das Receitas Petrolíferas para poder aceder ao Fundo de Estabilização Petrolífero. Também recorreu à Facilidade Rápida de Crédito do FMI para fazer face a programas prioritários e pagamento dos juros, bem como ao Fast Track Credit Facility do Banco Mundial. O governo reafectou à saúde as dotações destinadas a bens, serviços e despesas de capital. A par disto, o governo está a considerar suspender as regras de responsabilidade orçamental para permitir que os limites de défice possam ser excedidos. O Governo também criou o Fundo Fiduciário Nacional para a Covid-19, presidido por um antigo Juíz Presidente, aberto a contribuições do público.
Para responder às consequências socioeconómicas da pandemia, o parlamento também aprovou o Programa de Alívio ao Coronavírus (Coronavirus Alleviation Programme - CAP). Este programa presta apoio às famílias ao oferecer cabazes de alimentos e o pagamento de serviços de água e saneamento durante três meses. O CAP também presta apoio aos trabalhadores de saúde, ao suspender o pagamento de impostos sobre os rendimentos das pessoas singulares e assegurar o aumento salarial para os profissionais de saúde na linha da frente. Por último, o programa oferece empréstimos em condições favoráveis para micro, pequenas e médias empresas.
A sessão de P&R discutiu as medidas tomadas pelo CDC África no que respeita aos mecanismos de compras agrupadas, e o papel dos ministérios das finanças neste processo. O debate frisou algumas lições do surto de Ébola, como a importância da coordenação entre os ministérios das finanças e da saúde, e o reconhecimento do subinvestimento nos serviços de saúde. Durante as perguntas foram abordadas as medidas para garantir a responsabilização e transparência na gestão da despesa e dos fundos relacionados com a Covid-19 e como isto deve estar alinhado com os regulamentos e leis existentes.
Os membros do painel concluíram com observações sobre as ilações a tirar da pandemia no médio prazo. A Evelyn referiu-se ao compromisso assumido pelo Presidente do Gana no sentido de assegurar um maior investimento em infra-estruturas sanitárias como resultado da pandemia. O Dr. Djoudalbaye recomendou certas prioridades específicas: reforçar os institutos nacionais de saúde pública enquanto mecanismos impulsionadores da implementação dos regulamentos sanitários internacionais, e decentralização da implementação dos regulamentos sanitários internacionais para o nível sub-nacional, e assegurar uma melhor gestão e partilha de informações em matéria da saúde pública. O Neil Cole concluiu ao frisar a importância de aumentar o investimento na qualidade e acesso aos serviços de saúde, susceptível de exigir mecanismos inovadores de financiamento, sobretudo após a Covid-19.