Kelly Ann é co-fundadora da Farmcity, uma empresa social vocacionada para assegurar que todos tenham acesso a legumes mais saudáveis. A Farmcity usa a agricultura como ferramenta para desenvolver as capacidades empresariais dos jovens de hoje, e assim formar os agro-empresários de amanhã. O seu trabalho em acção pode ser consultado em: www.farmcity.co
A Kelly Ann participou, com a CABRI, na revisão das Maurícias, onde se debruçou sobre o papel dos governos no desenvolvimento das cadeias de valor no sector agrícola, tendo apresentado alguns dos principais desafios enfrentados pelos jovens neste sector.
Mais de 60 por cento da população em África tem menos de 25 anos de idade. Até 2035, terão de ser criados 350 milhões de novos empregos para estas pessoas. Embora se preveja que a automatização e a Inteligência Artificial (IA) venham a substituir os empregos e as indústrias que conhecemos, o sector agrícola continua a apresentar uma oportunidade de emprego para os jovens, precisamente o que o continente desesperadamente necessita. Apesar disso, a participação dos jovens no sector é baixa. Como podemos tornar o sector mais apelativo aos jovens? Uma pergunta aparentemente simples, sem uma solução única para todos, o que não surpreende, dada a diversidade de contextos, povos e culturas no continente.
Nas Maurícias, a percepção geral é que a resposta reside em melhorar o acesso à tecnologia, à terra e ao financiamento. Nós defendemos, contudo, que este é um aspecto secundário. Se quisermos tornar a agricultura mais atractiva para os jovens, primeiro temos de criar um ambiente propício ao desenvolvimento de agro-empresários. É o empreendedorismo agrícola, e não a agricultura, que apresenta um enorme potencial para fomentar o desenvolvimento social e económico ao criar empregos, reduzir a pobreza e melhorar o nível de nutrição, saúde e segurança alimentar em geral na economia nacional.
As vozes dos jovens são fundamentais para o diálogo, porque são eles que sofrem as consequências das nossas acções. Urge capacitá-los no sentido de poderem sondar os problemas e oportunidades que afectam seu próprio futuro. Quem sabe melhor o que funcionaria, senão os próprios jovens? Apercebemo-nos do poder das iniciativas lideradas pelos jovens nas actividades que desenvolvemos com eles, tanto nas áreas urbanas como peri-urbanas das Maurícias. Num dos programas, perguntámos a 150 jovens com idades entre os 11 e os 15 anos: “Se fosse Ministro da Agricultura, como tornaria a agricultura mais atraente para os jovens?” As 3 principais sugestões que surgiram foram:
- introduzir a agricultura como disciplina obrigatória na escola,
- desenvolver mais actividades no domínio da agricultura, plantio (jardinagem) e protecção do ambiente, e
- criar melhores condições de trabalho (por exemplo, um salário mais elevado) para os agricultores
Estas são soluções simples e exequíveis; não exigem tecnologias sofisticadas.
Também precisamos ouvir o que eles querem - o sector deve oferecer a recompensa, o propósito e o crescimento que os nossos jovens procuram. Durante demasiado tempo, o foco do sector tem sido o rendimento por metro quadrado e o lucro a todo o custo. Esta mentalidade tem perpetuado práticas agrícolas extremamente poluentes e extractivas - uso excessivo de pesticidas e herbicidas, termos comerciais injustos e monocultura, para citar apenas algumas. A busca incessante do lucro também levou a que os trabalhadores no sector agrícola sejam uns dos mais mal pagos. Esta é uma das principais razões pelas quais os jovens continuam a alimentar uma perspectiva negativa do sector. Um estudo abrangente realizado pelo Fórum Económico Mundial em 2018 concluiu que a geração milenar vê as alterações climáticas e a destruição da natureza como as questões mais críticas, com 90 por cento deles concordando que o ser humano é responsável pelas alterações climáticas. O mesmo estudo concluiu que “um sentido de propósito/impacto social” é um dos principais critérios para os jovens ao considerar as suas oportunidades de emprego. Também constatou que os jovens apresentam uma “consciência para as questões sociais” e esperam que as empresas se envolvam e lidem com estas questões, mesmo que não estejam relacionadas com o seu negócio principal. Vemos isto reflectido na nossa pequena mas crescente equipa. A idade média da nossa equipa é de 27 anos, e os colaboradores recém-contratados são jovens licenciados. Estes contribuem activamente para a visão e estratégia, e são precisamente o oposto da “geração que passa a vida a saltitar de um emprego para outro e que pouco se preocupa em trabalhar” tão frequentemente representada nos meios de comunicação social. Embora a nossa experiência seja, na melhor das hipóteses, anedótica, acreditamos firmemente que a substituição das práticas extractivas actuais por práticas agrícolas mais justas, mais dirigidas e sustentáveis, contribuiria em muito para aumentar a participação dos jovens no sector.
Por último, o sector precisa de mudar a sua imagem. Enquanto jovens agro-empresários, vivemos a realidade de actuarmos numa indústria em que poucos dos nossos pares desejam integrar-se. Os nossos pares reagem com surpresa quando nos apresentamos como agricultores, e essa surpresa transforma-se frequentemente em incredulidade quando percebem que o fazemos em tempo integral; que não se trata de “um mero passatempo”, ou algo que fazemos até que “apareça algo mais sério”. Esta reacção não é surpreendente, a maioria de nós foi condicionado a ver a agricultura como um emprego servil. Poucos percebem que, para além de “apenas” cultivar os alimentos que consumimos, os agricultores devem estar sempre na vanguarda do planeamento estratégico dos ciclos de criação e períodos de colheita, gestão do risco para mitigar os danos causados pelas constantes mudanças nos padrões climáticos, gestão das relações entre fornecedores, clientes e todos os intermediários, contabilidade e gestão do fluxo de caixa para pagar as dívidas, conhecimentos de bricolagem para reparar e manter em bom estado de funcionamento a miríade de ferramentas na herdade, resiliência para enfrentar a as inconsistências da natureza e, cada vez mais, gestão das redes sociais, pois esta é a forma mais acessível de marketing para pequenas empresas. Estas responsabilidades estão longe de se poderem considerar “servis”; trata-se de um conjunto de competências empresariais imprescindíveis e obrigatórias. Passámos a última década a celebrar o empreendedor tecnológico, agora chegou o momento de celebrarmos os agro-empresários.