Este artigo foi escrito para o Project Syndicate e publicado em 8 de abril de 2020.
O coronavírus irá apresentar um novo desafio às economias africanas já afectadas pela dívida, redução das receitas orçamentais e sistemas de saúde enfraquecidos. Para evitar a ruína fiscal, urge adoptar uma abordagem a nível continental que aplique as ilações colhidas da Libéria durante o surto de Ébola e de outros locais durante a actual pandemia
PRETÓRIA – Enquanto a COVID-19 transpõe África, e os decisores políticos implementam respostas de emergência, o Director-Geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus lançou um apelo aos governos africanos: “Noutros países”, afirmou em Março, “vimos como o vírus acelera após um certo ponto de viragem, pelo que o melhor conselho para África é se prepare para o pior e que se prepare já hoje”.
Mas mesmo os esforços viáveis destinados a mitigar a crise irão colocar sob pressão os orçamentos já sobrecarregados de muitos países africanos até ao ponto de ruptura, e não só. Actualmente, os países da África Subsaariana atribuem uma média de apenas 7% do seu orçamento público à saúde, face a 15% nos países da OCDE. O efeito cumulativo das baixas despesas deixou muitos destes países com sistemas de saúde precários que dificilmente prestam serviços normais, quanto mais responder a uma pandemia.
O baixo nível de investimento é a principal razão pela precariedade dos sistemas de saúde africanos. Mas a falta de espaço orçamental para emergências como a pandemia – devido aos níveis insustentáveis de dívida e fracos níveis de poupança – agrava a situação. E os governos também se revelam relutantes em tomar decisões difíceis que possam exigir a reafectação dos orçamentos e a inversão dos aumentos salariais para a função pública.
Alguns governos têm sido pró-activos. A África do Sul, que regista uma das taxas de infecção mais elevadas do continente, anulou os acordos salariais negociados com os sindicatos para mobilizar fundos de emergência para a COVID-19. Outras medidas adoptadas pela administração do Presidente Cyril Ramaphosa, que foi mais rápida do que a maioria dos governos ocidentais, incluem a política monetária expansionista e a captação de fundos excedentários detidos pelas instituições financeiras públicas. O sector privado também contribuiu para o Fundo de Solidariedade do Governo.
A experiência da Libéria na luta contra o surto de Ébola em 2014 fornece lições cruciais para os decisores políticos sobre como enfrentar uma crise sanitária importante com recursos financeiros e capacidades organizacionais limitadas. De acordo com uma avaliação detalhada da OMS sobre a preparação da Libéria para combater o Ébola, o Centro Médico John F. Kennedy, o único grande hospital de referência do país, foi fortemente danificado durante a guerra civil de 14 anos no país. Nenhum hospital tinha uma enfermaria de isolamento, poucos médicos tinham sido treinados nos princípios básicos de prevenção e controlo de infecções, e as instalações tinham pouco ou nenhum equipamento de protecção individual.
Como é que a Libéria lidou com a crise sanitária e das finanças públicas causada pelo Ébola? Depois de declarar o Ébola como uma emergência nacional em Agosto de 2014 e de instituir muitas das medidas – controlos fronteiriços, recolher obrigatório e quarentena comunitária – agora vistas em todo o mundo em resposta à pandemia COVID-19, o governo da Libéria adoptou várias medidas de ordem orçamental. As autoridades aumentaram as despesas de saúde em 111%, para cerca de 60% do orçamento total, que aumentou em 24%. Paralelamente a esta reorganização e aumento da despesa pública, os principais sectores económicos na Libéria – nomeadamente a exploração mineira, a agricultura, a silvicultura e os serviços – contraíram em cerca de 8%..
O Ministério das Finanças e do Planeamento do Desenvolvimento da Libéria tomou várias medidas adicionais. Suspendeu todos os projetos de investimento de capital, excepto aqueles directamente associados à emergência do Ébola. Reduziu também os custos operacionais recorrentes dos ministérios e agências governamentais e instruiu os funcionários públicos que não participavam na resolução da emergência do ébola a ficarem em casa. E criou um fundo fiduciário para o Ébola para agrupar os recursos públicos e subvenções de doadores, parceiros empresariais e membros do público, semelhante ao fundo que o governo sul-africano criou em resposta ao COVID-19.
Os funcionários do Ministério das Finanças também se instalaram no edifício do Ministério da Saúde. Isto contribuiu para melhorar a coordenação e a comunicação durante a crise permitiu às autoridades controlar melhor as despesas e responder de forma mais ágil à situação em mutação.
Se quiserem seguir a abordagem da Libéria de “exigir o empenho de todos”, os governos terão de melhorar a coordenação entre todas as agências e níveis de administração, especialmente nos sistemas políticos descentralizados, onde a implementação dos serviços de saúde é da responsabilidade das autoridades provinciais, estaduais ou locais. Isto assegurará a atribuição de fundos de emergência onde e quando forem necessários. A manutenção de um fluxo eficiente de informação para acompanhar as despesas e determinar rapidamente novas necessidades é crucial.
Paralelamente aos esforços de emergência a curto prazo na luta contra a COVID-19, os países devem reforçar a sua preparação para enfrentar a pandemia a médio e longo prazo. Os desafios ora enfrentados por muitos países desenvolvidos, incluindo estados individuais norte-americanos, no sentido de adquirir os equipamentos e mantimentos médicos necessários a tempo para responder à pandemia devem servir de aviso aos governos africanos.
A fim de aumentar o poder negocial e evitar a concorrência desnecessária, os governos devem considerar uma estratégia pan-africana de aquisição de bens essenciais. Devem também iniciar esforços para expandir o espaço orçamental para se prepararem contra pandemias, aproveitando a consciencialização do público face à crise COVID-19. Embora a cobrança de novos impostos antes da recuperação das economias seja difícil, existem provas de que a tributação voluntária poderia permitir que os governos aproveitassem os recursos para actividades como apoio a catástrofes.
O importante é garantir que os proveitos desses mecanismos sejam aplicados num fundo destinado especificamente a emergências sanitárias. Mas as decisões dos governos em relação ao financiamento de instalações e serviços de saúde para futuras emergências serão igualmente importantes. Os sistemas de saúde africanos não estão preparados para a actual crise. Isso terá de ser corrigido agora – e nunca deve repetir-se.